“É o gosto que eu sinto. Medo no fundo da minha garganta. Sabe, a maioria das pessoas tenta ficar longe do medo, tenta tirá-lo de suas vidas assim que podem. Eu? Eu o cultivo. Tento reconhecê-lo e usá-lo. Foi assim que eu sobrevivi quando estava crescendo e ainda vivo assim, escutando com atenção o meu medo”.
Isso é Bobby Axelrod, no que considero o melhor diálogo da série Billions. Poderia ser um famoso gestor brasileiro, cuja personalidade introspectiva tem no medo um dos grandes drivers de suas estratégias de investimento – e aqui falo no sentido positivo da coisa. É o medo que faz com o que sujeito atravesse bem todas as crises, das mais variadas naturezas. Chuva ou Sol e lá está ele acima do CDI. Poderia ser o próprio Taleb, de quem ouvi sete vezes (sim, eu contei!) ao longo de oito horas: “um pouco de paranoia não faz mal a ninguém.”” Poderia ser até mesmo Ozzy Osbourne: “”Can you help me? Occupy my brain?”
O medo se alinha ao instinto de sobrevivência. In order to suceeed, first you must survive, resumiria Buffett – (algo como: “para ter sucesso, primeiro você precisa sobreviver). Você precisa atravessar bem as crises e elas são normalmente imprevisíveis – então, sempre precisamos carregar aquele medo de que as coisas podem dar errado, mesmo que tudo pareça muito bem. Nenhuma estratégia que implique risco de falência, por menor que seja, deve ser aceita.
Eu olho para a complacência com que os investidores têm tratado os ativos brasileiros e confesso: eu tenho medo. Acho que podemos, sim, ter uma súbita deterioração das condições de curto prazo. É por isso que não me desfiz de nenhum seguro que havia feito previamente à crise. E pelo mesmo motivo que mantenho uma sugestão de alocação da ordem de 10% em dólar.
Ao mesmo tempo, tratada a questão do medo (depois de dois anos de análise freudiana com um monstro sagrado, você se acostuma), identifico oportunidades muito interessantes criadas pela turbulência recente – aqui, falo exclusivamente àqueles com horizonte de longo prazo. Para o curto, eu lhes digo sinceramente: não tenho a menor ideia do que fazer; acho que ninguém tem.
Fundamento a minha percepção em quatro elementos essenciais:
1 – A direção estrutural não mudou. Talvez possamos ter alterações de magnitude e velocidade, mas a tendência é caminharmos com as reformas e a agenda liberal, pela simples falta de alternativas. O campo escala, diria Tite. Para o caso, a as reformas se escalam. Caindo Temer, o mais provável é entrar Rodrigo Maia, com raízes no mercado financeiro e sabedor da necessidade de tocar as reformas. Ficando Temer, alguma reforma teremos – a trabalhista ainda tem boas chances e parte da previdência pode ser tocada com MPs; então, voltaria à pauta em 2019. Cumpre também dizer que o choque recente me parece mais desinflacionário do que inflacionário. Embora a questão fiscal ainda seja uma faca de Damocles sobre nossas cabeças (mas note que meu cenário base ainda pressupõe avanço das reformas), o câmbio, depois do choque inicial, se mostra razoavelmente bem comportado. Enquanto isso, a incipiente recuperação da economia pode ser abortada ou, na margem, encontrar dificuldades adicionais. Em outras palavras, não vejo razão para o Copom não cortar em 1 ponto percentual a taxa Selic em sua próxima reunião – acelerar seria uma irresponsabilidade diante das incertezas fiscais e reduzir o ritmo transmitiria sinal de desespero. Ou seja, já há uma oportunidade clara no juro curto. Para frente, autoridade monetária deve seguir cortando, para um patamar inferior àquele contemplado na curva (a assimetria é muito clara: Selic é de 9 por cento para baixo);
2 – Sempre me lembro do desconto hiperbólico. De forma muito simples, essa é a tendência humana a ser impaciente agora na expectativa de que conseguirá ser paciente no futuro. Damos atenção excessiva a questões de curto prazo, extrapolando questões essencialmente imediatas para prazos mais longos. Os problemas sempre parecem maiores do que efetivamente são quando estamos passando por eles. Pela enésima vez: ausência de evidência não é evidência de ausência. Não enxergar a saída para crise não significa que ela não existe;
3 – O overshooting faz parte do processo e não depende da hipótese de irracionalidade dos agentes. Rudi Dornbusch já provou o ponto em artigo de 1976 (Expectations and Exchange Rate Dynamics), que viria a ser revisitado por Kenneth Rogoff em 2001 (Doubusch’s Overshooting Model After Twenty-Five Years). Imagine que você tem dois mercados com velocidades de ajustamento diferentes. O mercado de capitais se ajusta imediatamente ao choque, enquanto o mercado de bens oferece certa rigidez no momento inicial (ninguém constrói ou destrói uma fábrica do dia pra noite). Somente no período subsequente o mercado de bens se move em direção a um novo equilíbrio capaz de considerar o choque exógeno. Então, o que deve acontecer no momento inicial? Ora, o mercado de capitais se move para fazer o ajuste por si e pelo mercado de bens – ele faz uma dupla resposta, que seria associada ao exagero caso o mercado de bens também se movesse. Já no momento seguinte, quando o mercado de bens começa a se ajustar, retirasse a pressão excedente sobre o mercado de capitais, que volta a um ponto menos exagerado. Esse “exagero” é justamente o overshooting, aquela reação inicial excessiva. Os mercados exageram mesmo, e depois voltam;
4 – Boa parte do movimento da fatídica quinta-feira negra se deveu a fatores técnicos. Isso aconteceu principalmente no mercado de juros, mas também espraiou-se para o câmbio. Como tínhamos um crowded trade ali pelo jan 19/20 (todos na mesma posição, esperando queda de juro), o black swan pagou todo mundo, estourou o risco de muita gente e disparou ordens de acionamento de stops. Como não tinha liquidez para todo mundo, nego saiu stopando na curva inteira, sob um certo desespero. Com uma porta pequena para um teatro grande após um grito de “fogo”, as pessoas começaram a sair pela janela. Sem encontrar a liquidez necessária nos juros, muitos recorreram ao câmbio. Cedo ou tarde, as questões técnicas são absorvidas e o fundamento prevalece.
Tentei esconder, mas minha irresponsável sinceridade não deixou – eu sonho com o Principles do Ray Dalio e sua defesa da “transparência radical”. Há ainda um quinto ponto: o melhor trader brasileiro está comprando pré 19. Eu realmente valorizo o que pessoas mais inteligentes e competentes estão fazendo. O histórico do sujeito fala por si só. São poucos os verdadeiramente gênios no mercado brasileiro. Sempre é válido ouvir o que eles têm a dizer. A gente sempre aprende.