Investimentos

O último romântico

Não é porque você não enxerga a saída para a crise que ela não exista. O Brasil não tem vocação para a explosão.

Por Felipe Miranda

23 maio 2017, 10:21

Nesses momentos, pessoal recorre a Warren Buffett, Benjamin Graham, Phillip Fisher, George Soros, Barack Obama, sei lá mais quem. Eu me volto a Raul Seixas:

“Mas é que se agora pra fazer sucesso, pra vender disco de protesto todo mundo tem que reclamar. Eu vou tirar meu pé da estrada e vou entrar também nessa jogada e vamos ver agora quem é que vai guentar.”

Eu também vou reclamar. Eu reclamo desta gente que repete clichês e fatos estilizados como se fossem insights relevantes. Teorias pasteurizadas e da profundidade de uma folha sulfite são repetidas como se fossem coisas inteligentes.

Nada mais cafona do que radialista se achando descolado colocando música do Cazuza, na versão da Gal Costa, e cantando por cima: “Brasil, qual é o teu negócio? O nome do teu sócio? Confia em mim.” E fica repetido: “confia em mim, confia em mim”.

Quando eu vejo esse tipo de coisa, sinto náuseas.

Quando vejo economista no trending topics do Twitter por entrevista detonando o Brasil, eu lembro que as finanças e os investimentos, que são meus temas de interesse pragmático aqui (posso ter minhas convicções éticas e morais, mas elas não importam ao seu bolso), pertencem as praticantes. Os acadêmicos – ou a maior parte deles – nunca compraram uma ação na vida. Lembre-se que o Eduardo Giannetti, na minha opinião um dos maiores gênios vivos e por quem eu nutro paixão avassaladora, durou uma semana no Banco Garantia.

Quando vejo analista sell side reduzindo a recomendação para as ações brasileiras e sugerindo migração em direção à qualidade, eu penso: “mas agora?” Há uma semana, estavam todos otimistas, sugerindo vender dólar, criticando exportadora e sequer lembrando de proteger e diversificar o portfólio. Agora todos falam em prudência. Foram pegos de calças curtas e tentam, a posteriori, se ajustar. É como aquele corretor que lhe propõe um seguro depois de você bater o carro. Seguro não é pílula do dia seguinte. Ou você protege antes ou, para citar os poetas do É O Tchan, depois de nove meses você vê o resultado. Eu não vi um analista sequer no começo de maio falando para aumentar dólar, mesmo que na margem, ouro ou qualquer outro porto seguro de sua preferência. Agora, claro, são uníssonos na defesa da proteção.

Quando vejo a S&P reduzindo o outlook do rating brasileiro, começo imediatamente a disparar fotos do Rubens Barrichello em meus grupos de Whatsapp. Essa turma não é líder; é seguidor. Na minha lista de grandes pés trocados estão, nesta ordem: rabinos, capa da Exame, capa da Economist, Eurasia. Pode reparar. Sempre atrasados.

Agora todos recomendando prudência. Foram pegos de calças curtas e agora tentam se ajustar.

Quando vejo o Bom Dia Mercado afirmando categoricamente que a aprovação das reformas no horizonte tangível “é uma viagem”, eu me lembro que os jornalistas são….os jornalistas.

Quando vejo gestores multimercados zerados em Bolsa por ter batido os limites de risco na quinta-feira e os gestores de fundos de ações sobrealocados em caixa, eu me pergunto: “de onde pode sair muito mais venda de Bolsa?”

Talvez eu seja o último romântico dos litorais deste oceano atlântico. Prefiro iluminar a vida já que a morte cai do azul. Quando vejo tudo isso, penso que se aproxima a hora de começar a flertar com a ideia de voltar a incrementar risco nas carteiras. Talvez ainda não seja o momento preciso, mas ele se encaminha.

Rumo (RAIL3) é hoje uma empresa 22% pior do que era há uma semana? Guararapes (GUAR4) merece mesmo cair 20% por conta da famigerada gravação? As empresas não passarão, mas o Temer…passarinho.

Compre ao som dos canhões, venda ao som dos violinos. Não podemos incorrer na falácia lógica de confundir ausência de evidência com evidência de ausência. Submetidos ao que Daniel Kahneman chama de WYSIATI (What You See Is All That Is – O que você vê é tudo que existe), temos uma tendência a valorizar em excesso a informação disponível e negligenciar por completo a informação indisponível.

Não é porque você não enxerga a saída para a crise que ela não exista. O Brasil não tem vocação para a explosão. E sem reformas, ele explode. É por isso que não posso compactuar com o pessimismo estrutural que se forma em alguns círculos, mesmo entre financistas competentes. As reformas virão porque são inexoráveis. Sinceramente, não consigo ver outro país emergente que vinha fazendo a lição de casa tão diligentemente quanto o Brasil.

Vamos pensar nos cenários possíveis numa espécie de análise combinatória:

Temer fica ou não fica. Assumindo que ele fica, a árvore se abre em dois galhos: com reformas e sem reformas. Com reformas, é golaço. Volta o bull market e recuperamos rapidamente as perdas dos últimos dias e vamos muito além.

Sendo fraco, porém, esse cenário “céu colorido” parece bastante improvável. Combalido como está, é difícil o governo conseguir aprovar as reformas ou, ao menos, todas as reformas.

Então, teríamos o cenário Temer fica, sem reformas. Isso é ruim e provavelmente os mercados sofram um pouco mais nas próximas semanas. Note que esse cenário tem muito mais probabilidade do que o anterior. Mas isso muda o estrutural? Em outras palavras, como ficam os preços de juro, câmbio e Bolsa num quadro de PT /Lula mortos, manutenção da atual equipe econômica ortodoxa e sem reforma da Previdência no curto prazo?

Esse não me parece um quadro tão ruim para ativos de risco brasileiros. O juro vai continuar caindo, talvez não na mesma velocidade, mas vai. A inflação está na lona e o hiato do produto é grotesco, com tendência a piora agora. Não há alternativa além do afrouxamento monetário. “Mas você não acaba de dizer que sem reformas morremos? Como pode não estar preocupado com esse cenário?” Justamente por isso. Se não fizermos a reforma agora, faremos em 2018. É um atraso na caminhada, não uma mudança de rota. Aquilo que é inexorável pode não ser feito agora, mas fica para o próximo presidente, necessariamente. Cedo ou tarde, o mercado vai se dar conta disso. E como o efeito da nova previdência não recai tanto sobre o curto prazo, podemos conviver com este atraso. Claro que é ruim. Isso é óbvio. Mas não é trágico.

E se Temer sai? Então, outros dois ramos: eleição indireta ou direta. Se for a primeira, entra alguém, evidentemente, eleito pelo Congresso, que hoje é muito mais alinhado ao espectro da direita-liberal do que à esquerda. A base supera a oposição com alguma folga. Logo, é mais provável a eleição de um presidente capaz de dar consecução às reformas do que o contrário. Também aqui, portanto, sem mudança estrutural.

Se for a direta, ai, sim, podemos ter problemas. Se tivermos Lula candidato com chances reais de vitória, basta reler O Fim do Brasil. O ponto aqui é que a direta, além de inconstitucional, parece improvável. Ademais, para Lula ser efetivamente eleito, precisaria de um alinhamento de astros, precisando superar restrições institucionais e sua grande rejeição. Ele é e sempre será um candidato competitivo, de modo que não podemos descartá-lo. Mas note que a probabilidade associada ao cenário de sua eleição parece bem gente.

Ponderando as chances de cada uma das possibilidades (obviamente, sem quantificar forçadamente as probabilidades, o que seria mera descrição quantitativa da subjetividade), o mais razoável parece supor que não mudamos a direção, apenas a velocidade da caminhada. O norte do País com a Lava Jato avançando aponta para a construção de algo melhor.

Se vamos apelar ao cafona, é melhor se jogar e ceder ao convite de Lulu Santos:

“Me dá um beijo, então.

Aperta minha mão

Tolice é viver a vida assim sem aventura

Deixa ser

Pelo coração

Se é loucura então melhor não ter razão””

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.