Deixe-me começar protegendo-me da besteira que vou dizer logo em seguida. É falando caca que a agenda aduba a vida (com o palavrão fica melhor).
Há uma expressão particularmente problemática e recorrente: “no atual cenário de incerteza…” e daí continua com a retórica que mais bem se encaixará na ideia já preconcebida na cabeça do interlocutor.
O cenário é sempre – e também, muitas vezes, sempre – incerto. Existem alguns momentos em que temos a absurda ilusão da antevisão do momento subsequente. A razão é uma grande emoção, é o desejo de controle. A incerteza nunca desaparece do processo. Nossa mente é que não suporta conviver com a dúvida e tenta autoimpor-se uma sensação de tranquilidade e controle.
Não consigo resistir a registrar que, se fizéssemos um gráfico com a evolução histórica da confiança dos agentes econômicos na aprovação da reforma da Previdência, o pico dessa linha teria se dado justamente no minuto imediatamente anterior à famigerada nota de Lauro Jardim sobre o grampo Temer-Joesley. É anedoticamente análogo ao gráfico do peru de ação de graças (ou de natal, para o caso da América católica) de Bertrand Russell, apropriado por Nassim Taleb.
Infelizmente, porém, as pessoas não aprendem. Todo mundo vai continuar pensando do mesmo jeito de sempre. Corrijo-me. Quase todo mundo.
Há ao menos um gestor brasileiro que entendeu: Fábio Okumura, da Gauss, cujo sistema de risco, diferentemente do usualmente adotado por aí, rejeita fortemente a adoção da bomba-relógio chamada VaR. Pra mim, e isso é só uma opinião pessoal (sim, eu respeito a sua), a decisão, entre outras coisas, faz com ele que seja epistemologicamente superior aos outros gestores multimercados.
“Inclusive que o Stuhlberger?” Daí, sinceramente, não sei. Eu, que – fique claro – não o conheço pessoalmente, admiro de longe o Verde e acho seu gestor altamente talebiano, o que também lhe garante a tal “superioridade epistemológica”. Ou, ao menos, pragmática. Não sei se a postura é deliberada e filosófica, ou se vem de uma questão quase psicanalítica, associada à personalidade introspectiva, aparentemente amedrontada, que o obriga a sempre ter proteções, calls/puts fora do dinheiro, etc.
“Ah, mas e as cotas?” Na boa, às favas com as cotas, principalmente se estivermos falando de históricos curtos. Já debati várias vezes com o Pedro Cerize sobre isso. Normalmente, eu perco. Sobre essa questão, porém, ele ainda não me convenceu. O método e a filosofia de investimento importam muito mais do que as cotas, muitas vezes resultado apenas de uma impiedosa marcação a mercado quase integralmente oriunda de fatores aleatórios. Claro, no longo prazo, todas essas coisas tendem a convergir. O problema do longo prazo é que…bom, veja bem….é longo prazo. Demora. Sujeito insiste que consegue pensar lá na frente e vai cobrar o gestor depois do primeiro trimestre.
A admiração pelas pessoas, por sua capacidade, dedicação, inteligência e forma de ser e estar no mundo não pode flutuar ao saber do mark to market. Se nenhum desses elementos mudou, sua visão sobre aquele cidadão também não pode mudar. A probabilidade de o gestor errar à frente não aumenta porque ele errou no passado. Ao contrário, se há relação entre essas coisas (não sei mesmo se há), ela é negativa.
Esclarecimentos iniciais feitos, vou quase desdizer tudo que foi dito antes: em momentos em que a visibilidade está muito, muito baixa, em que nossas convicções nas teses estruturais estão sendo testadas (o mercado adora testá-las!), tento olhar com algum afastamento. Pergunto a mim mesmo: há maior probabilidade de o Ibovespa dobrar ou cair pela metade a partir dos níveis atuais?
Eu faço isso justamente porque há boas chances de que uma das coisas realmente venha a acontecer. Os movimentos de mercado são sempre maiores do que nosso desejo de controle gostaria de supor. Isso me ajuda a verificar, validar ou não, teses estruturais. Consigo ou, ao menos, acredito conseguir um pouco de serenidade, alheia ao frenesi da volatilidade diária, muito contaminada por ruídos, especulações, notícias, saídas de posição, derrotas sem efeito prático em Comissões de Assuntos Sociais.
É curioso como os céticos pirrônicos, entre os quais se destaca Sextus Empiricus (sim, ele mesmo!), depois de negar todas as crenças e os dogmas e reconhecer sua ignorância sobre o futuro, encontram a tranquilidade. Há um desdobramento quase niilista sobre a coisa. Para quem está perdido, qualquer caminho serve. Não sabemos nada sobre o curto prazo mesmo. Precisamos desistir sobre isso. Não existe solução, e portanto já está solucionado.
Volto-me à questão estrutural. Parece-me haver mais chances de que o Ibovespa venha a dobrar do que cair pela metade.
Veja o seguinte: se recuar 50 por cento, o índice estará negociando a 6x lucros. Se o processo demorar 12 meses, e considerando o prognóstico de incremento médio dos lucros de cerca de 20 por cento (muita alavancagem operacional e recuperação cíclica da atividade), falamos de um P/L de 5x. Isso seria 40 por cento da média histórica, num momento em que o juro estaria próximo à mínima histórica – e, portanto, deveria ensejar múltiplos maiores, e não menores!
Isso implicaria você ver Itaú negociando a 4x lucros, com os lucros altamente deprimidos por conta da crise. Faria algum sentido?
Note que, no dia do sell off generalizado aqui, os gringos entraram raspando, tanto juro quanto dólar. O movimento transmite uma mensagem muito forte para os locais. “Não saiam desesperados, pois se vocês o fizeram, nós vamos tomar tudo e vocês deixarão dinheiro na mesa.”
Note também que a ideia besta de cair 50 por cento ou subir 100 por cento encontra coincidentemente embasamento nas teses dos grandes ciclos. Se você acredita que entramos numa tendência de baixa, então precisaríamos ir buscar os 9.100 pontos em dólar para o Ibovespa (último piso, em janeiro de 2016), exatamente a metade dos 18.200 atuais. Valeria novamente o argumento supracitado.
Não tenho a menor ideia de que como sairemos da atual crise política. Acho que ninguém tem. O fato de você não ver um extraterrestre, porém, não significa que ele não existe. Ausência de evidência não é evidência de ausência, vale repetir.
Qual a alternativa à tese das reformas? A Venezuela. É tão simples e direto quanto isso. Se a primeira hipótese (reformas) parece improvável, considero a segunda ainda mais. Quando tento ficar pessimista com o Brasil neste momento, eu realmente não consigo.