Um determinado evento oferece 1 por cento de probabilidade de ocorrência. Chance baixa, né? Não devemos nos preocupar com isso…
Agora imagine que esse “determinado evento” seja a chance de morrer de acidente de carro por uma certa via. A coisa muda, não é mesmo?
Se você passa por essa rota, na ida ao trabalho e na volta para casa, há boas chances de que você faça a passagem nos próximos 50 dias. Não acho que seja um risco a se correr.
Não há como avaliar probabilidades de ocorrência sem os impactos associados.
Vejo pessoas destreinadas em finanças não gaussianas criticando a estratégia de tail hedging por essa representar uma “aposta contra as probabilidades.” De Nassim Taleb, ouvi diretamente “you should buy the tails, always” (você deve apostar nos eventos de cauda, aqueles de baixa probabilidade de ocorrência, sempre).
Os críticos à abordagem de procurar seguros contra catástrofes (acontecimentos raros) não entendem a essência da coisa. Estamos justamente apostando contra as probabilidades, deliberadamente.
Por que faríamos isso?
Apresento uma tentativa de explicação intuitiva e depois procuro adicionar um pouco de rigor técnico.
Sendo aquele evento considerado de baixa probabilidade, ninguém quer apostar naquilo. Diante do desinteresse alheio e da falta de demanda, o ativo financeiro associado a uma pequena chance de ocorrência normalmente está barato no mercado.
É como se você estivesse apostando no Jipinho, o cavalo magrelo e lerdo da minha tia Irene, hoje já falecido (que Deus o tenha!). A chance de ele ganhar uma corrida de cavalos é quase desprezível, digamos 1 por cento. Ocorre que, até mesmo pela aparência assustadora do Jipinho, todos percebem suas parcas chances e ninguém decide apostar no magrelo. Assim, na bolsa de apostas ele pode estar pagando 1 para 250, 1 para 500, 1 para 1.000.
Ou seja, a aposta no Jipinho, embora possivelmente perdedora numa única rodada, é racional se aplicada e replicada a longo prazo. Depois de várias rodadas, aquilo vai lhe render um resultado positivo, pois há uma assimetria convidativa no jogo, entre o custo, a probabilidade associada e o payoff (retorno potencial).
A explicação técnica para você sistematicamente apostar na cauda é a seguinte: tradicionalmente, os investidores, alocadores e todos os demais entes que formam preço olham as variáveis financeiras como obedientes a uma distribuição normal (também chamada de gaussiana, aquela em forma de sino). Nela, a probabilidade de ocorrência de um evento raro é desprezível – pense na altura das pessoas: média de 1,70 m, e ninguém com 7 metros.
Sob essa premissa, achando que a chance de acontecer um evento raro é quase nula, o mercado quase não dá preço para as ocorrências consideradas improváveis. Em outras palavras, é barato (mais barato do que deveria ser) apostar na cauda, no evento considerado raro, porque ele acontece com frequência superior àquela contemplada pela distribuição normal.
Talvez possa lhe parecer um papo excessivamente teórico, mas o fato é que não é. Foi justamente isso, essa espécie de oportunidade de arbitragem que surge do mau apreçamento dos eventos considerados raros, que deixou Nassim Taleb rico. É isso que seu ex-sócio Mark Spitznagel faz até hoje na Universa. E também não é muito diferente do que eu humildemente entendo ser o grande segredo de um famoso gestor brasileiro. É evidente que o sujeito tem um capacidade incrível de antever cenários macro e montar instrumentos apropriados para capturar sua materialização (sim, a instrumentalização também importa; as ideias, em si, não necessariamente se convertem em dinheiro). Mas isso muitos outros também conseguem por ai. A mágica ali me parece estar justamente na habilidade sem paralelos de se montar de seguros-catástrofe.
Noutro dia, ouvi de uma amiga brilhante que a diferença do fundo desse famoso gestor para outros de sua gestora é “somente o hedge”. É quase como se você falasse: a diferença entre o Chicago Bulls e o Detroit Pistons é só o Michael Jordan.
Sem aquilo que é o verdadeiro diferencial do investidor/gestor, ele, realmente, não é diferente de ninguém.