Em meio a um cenário de inflação elevada, taxa Selic em ritmo de alta e, ao mesmo tempo, uma economia que cresceu acima do esperado, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou na noite desta quarta-feira (27) o pacote fiscal, tão aguardado pelo mercado.
Dentre as medidas propostas pela equipe econômica do presidente Lula estão:
- Reajuste no abono salarial;
- Adequação do crescimento dos gastos com as emendas parlamentares ao limite do arcabouço (2,5% ao ano);
- Mudanças na idade mínima para aposentadoria dos militares;
- Limitação de transferência de pensões;
- 50% das emendas de comissões do Congresso serão obrigatoriamente destinadas à saúde pública
As medidas anunciadas por Haddad ainda precisam ser votadas e aprovadas pelo Congresso Nacional.
Anúncio do pacote fiscal ‘perdeu’ o timing?
Apesar de as medidas finalmente terem sido divulgadas, Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, acredita que essa demora no ajuste nos gastos públicos foi um dos principais fatores pelo aumento da inflação e a constante renovação das altas da taxa de juros.
“Essa falta de compromisso do governo em obedecer o arcabouço fiscal ao longo do ano, que coloca um teto de [crescimento real de] 2,5% de despesas não-financeiras, levou a um grande impacto na inflação e na curva de juros, e uma desvalorização muito forte do real (BRL)”, afirma, no painel “Cenário macroeconômico de 2024 e perspectivas para 2025“, transmitido pelo BTG Pactual nesta quarta-feira (27).
Além disso, circularam, na tarde de hoje, notícias de que o governo poderia ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda para salários acima de R$ 5 mil, o que, comenta Almeida, não foi bem recebido pelo mercado. O Ibovespa, principal índice de ações brasileiras, chegou a cair 1,7%, recuando para 127.668,61 pontos, e o dólar atingiu máxima histórica de R$ 5,91, subindo 1,85%.
“Essa notícia pegou muito mal no mercado, porque esse programa pode custar R$ 40 bilhões para o governo e não necessariamente o congresso aprovará medidas compensatórias, aí correria o risco de termos um buraco fiscal muito maior”, alerta Almeida.
Sobre isso, Miranda explica: “Isso é muito perigoso, porque o Haddad aprovaria R$ 40 bilhões, mas depois o congresso só aprova R$ 30 bilhões, e ainda faltariam R$ 10 bilhões para cobrir essa ausência de arrecadação”.
Brasil está em recessão? Almeida explica por que não
“Apesar de vermos um cenário fiscal bem ruim, o quadro não se configura como recessão, e é bem diferente de 2015. Para se ter uma ideia, em 2023 o Brasil teve seu melhor superávit [exportações menos importações] na balança comercial, de US$ 98 bilhões, e a expectativa é que este ano seja encerrado com o segundo melhor, na casa de US$ 75 bilhões”, elucida o estrategista do BTG.
Com inflação longe da meta, Selic nominal pode chegar a 15% em 2025
Como Almeida explica, além dos desafios fiscais, o mercado já vê sinais de “desancoragem” da inflação em relação à meta de 3%, fator que tem contribuído para repelir os investidores dos ativos de risco brasileiros.
“Começamos o ano esperando uma inflação entre 3,5% e 4%. A gente deve terminar o ano acima de 5%, com alta de preços principalmente de serviços, o que leva a uma perspectiva de inflação alta também em 2025, e, ao contrário de todo o mundo, estamos subindo cada vez mais as taxas de juros”, explica Almeida.
Também presente no evento, Felipe Miranda, sócio-fundador e estrategista-chefe da Empiricus Research, acredita, inclusive, em um problema monetário ignorado pelo mercado neste momento.
“Embora o [quadro] monetário brasileiro seja em grande medida herdado do fiscal, acho que temos uma questão sobre a qual temos debatido pouco. Se expandirmos o período de projeção para 2027, a inflação também não está na meta, e o mercado está entendendo que o Banco Central não está muito preocupado em perseguir o centro da meta, o que não é boa notícia”.
Nesse cenário, afirma Almeida, o mercado espera uma taxa de juros nominal entre 13% e 15% no próximo ano, com juros reais em torno de 8%.
PIB a todo vapor, desemprego nas mínimas
Por outro lado, Almeida reforça que “as elevações da Selic não parecem estar surtindo efeito para conter o consumo da população”, uma vez que o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu muito acima do esperado em 2024 e o desemprego teve, no terceiro trimestre, a menor taxa da série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012.
“No início do ano, o mercado esperava um crescimento do PIB na casa dos 2% e nós vamos terminar o ano com uma alta acima de 3%, mesmo com juros elevados”, comenta o também ex-Secretário do Tesouro Nacional.
Essa economia aquecida nos últimos meses, adiciona Miranda, favoreceu a receita das empresas no 3T24: “Elas apresentaram resultados melhores no 3T24 do que no mesmo período de 2023, o que, do ponto de vista micro é positivo, mas também piorou as expectativas do Brasil para a inflação”.
Dólar vai subir ainda mais?
Em relação à desvalorização excessiva do real em 2024 e as perspectivas para o próximo ano, Almeida é pragmático: “Não dá para saber o que vai acontecer nos próximos meses, se o governo não deixar muito claro seu compromisso com a agenda fiscal. Enquanto essa incerteza permanecer, vai ser um cenário muito ruim para a Bolsa e para o real”.
Ele também lembra que o real brasileiro está competindo pelo pior lugar do ranking de 2024 com a lira, da Turquia, e com os pesos mexicano e argentino.
Além disso, ressalta: “Mesmo antes das notícias [desta quarta-feira] sobre a possível ampliação da isenção do IR, a moeda já estava desvalorizada. E isso mesmo em uma circunstância em que as contas externas do Brasil estão muito boas”.
Por fim, se você quiser conferir a conversa na íntegra, de Felipe Miranda e Mansueto Almeida, mediados por Jerson Zanlorenzi, do BTG Pactual, vá por aqui aqui.