Investimentos

Por que as elétricas, incluindo Eletrobras (ELET3, ELET6), têm sofrido com o mau humor do mercado?

Até o desempenho do índice de energia elétrica (IEEX), historicamente tido como “defensivo” pelos investidores, vive uma queda; entenda o que está acontecendo

Por Ruy Hungria

24 abr 2024, 13:44 - atualizado em 24 abr 2024, 13:44

Eletrobras (ELET3, ELET6)
Imagem: Divulgação

O desempenho recente do Ibovespa não tem sido muito inspirador, com a piora do humor e aumento da aversão global ao risco, e também a performance de Eletrobras (ELET3; ELET6) não tem sido das melhores. No último mês, a ação cai 10%.

Mas o que mais nos chamou a atenção foi o desempenho do índice de energia elétrica (IEEX), historicamente tido como “defensivo” pelos investidores. Mas não é o que mostra o gráfico abaixo: 

De cara, já notamos que o período tem sido desafiador para as elétricas de maneira geral, e não apenas para a Eletrobras

O ponto da MP de abril que pode ser danoso para as elétricas

É verdade que a Medida Provisória 1.212/2024, aprovada no início de abril, trouxe o compromisso de a Eletrobras adiantar as contribuições para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – que antecipa obrigações de R$ 25 bilhões em praticamente 20 anos.

Aqui é importante notar que não foram divulgados detalhes importantes como a taxa de desconto para esse adiantamento, prazo das parcelas e se esse montante eliminaria todas as obrigações de R$ 32 bilhões assumidas pela Eletrobras com a CDE na privatização. Mas apesar de esperarmos alguma dificuldade em financiar esse desembolso nas condições de mercado atuais, é possível que a operação seja positiva para a Eletrobras em termos de Valor Presente Líquido. 

Ou seja, não é necessariamente daí que vem o mau humor. Na verdade, um outro ponto na mesma MP, que não é sobre a Eletrobras, é muito mais danoso para a companhia e para o setor. 

Estamos falando da prorrogação dos subsídios para projetos renováveis obterem desconto nas tarifas de transmissão (TUSD) por mais três anos.

Por que isso é ruim para a Eletrobras e para o setor? 

Porque aumenta ainda mais a já enorme sobreoferta de energia, subsidia fontes com custos elevados e traz desequilíbrios adicionais para o setor, em mais um exemplo negativo de interferência política.

É importante mencionar que isso não necessariamente significa que teremos uma entrada adicional relevante de renováveis na matriz, dado que o cenário de preços baixos de energia deve desincentivar boa parte dos projetos, no entanto isso não ajuda a melhorar o sentimento no curto prazo. 

Falando em preços, para piorar um pouco mais o humor, no início do mês o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) divulgaram a revisão das previsões de carga para 2024 – 2028.

Apesar do ajuste anual para cima de aproximadamente 0,4%, a alta não só ficou abaixo das expectativas como boa parte do crescimento esperado é proveniente da geração distribuída, o que também não ajuda as hidro/termelétricas.

Depois de uma boa recuperação com perspectivas de aumento do consumo, repare como o preço de contratos de longo prazo desabou desde o início de abril – efeito que foi exacerbado pela já mencionada extensão de incentivos às renováveis na MP 1.212.

Fonte: Bloomberg. 

As geradoras, de maneira geral, sofrem com esse cenário de queda de preços, mas quem dera fosse só isso…

Os últimos dois Governos Federais vêm empurrando com a barriga a definição dos termos de renovação da concessão de distribuidoras, cujas diretrizes deveriam ter sido definidas em dezembro de 2023. 

Investidores não têm mais a garantia da renovação da concessão de distribuidoras de energia

Se há alguns anos a perspectiva de renovação era certa e com termos amigáveis para as empresas que cumprissem as metas de qualidade, nem essa garantia os investidores têm mais.

Neste momento, há receios de que o governo cobre outorgas pesadas pelas renovações e que as metas sejam desafiadoras demais, especialmente após a recente polêmica envolvendo a Enel em São Paulo.

Além disso, existe a possibilidade de que as distribuidoras arquem com parte dos subsídios para reduzir a tarifa para os consumidores – que, acredite se quiser, só são absurdamente caras por causa de medidas como a extensão dos benefícios às renováveis aprovada pela MP 1.212/2024 em abril, vai entender… 

Todos esses sinais de interferência, especialmente com relação aos subsídios, contrapartidas na renovação das distribuidoras e questionamentos com relação à privatização da Eletrobras, atrapalham a confiança do investidor. 

Prova disso é um relatório recente do UBS, que alertou para a deterioração do ambiente nos últimos meses por causa dos fatores mencionados. 

Reprodução: Folha de S. Paulo. 

O cenário atual não tem nada a ver com a MP de 2012, que abalou o mercado

Tenha em mente que o investidor de utilities, principalmente o gringo, carrega cicatrizes profundas da desastrosa MP 579/2012, que abalou por anos a confiança no setor elétrico.

Antes que você se assuste, não estamos esperando nada parecido neste momento, e já temos ouvido de nomes respeitados de dentro do setor que há um movimento de empresas relevantes para mostrar as consequências danosas dessas medidas aos legisladores e trazer medidas mais pró-mercado. Mas cachorro mordido por cobra…

Obviamente, isso também afeta a Eletrobras. No entanto, nem tudo é notícia ruim, e a extensão do prazo de conciliação entre Eletrobras e União por mais 90 dias protocolado pela AGU no início de abril indica que as negociações sobre a limitação de votos estão caminhando. Inclusive, o já mencionado adiantamento dos R$ 25 bilhões para a CDE, em nossa visão, é parte disso. 

Além disso, segundo notícias recentes da Bloomberg, como parte dessas negociações, ainda podemos ver o número de assentos no conselho subir de 9 para 11, sendo três deles do governo, que passaria a ter 27% de representação, maior do que o limite de 10% dos votos mas ainda bem longe de uma posição de controle, o que é boa notícia para os minoritários. 

Ainda segundo a reportagem, em contrapartida a Eletrobras poderia vender sua participação na Eletronuclear, o que seria bastante positivo por eliminar os riscos de necessidade de futuras capitalizações em Angra 3. 

A Empiricus Research segue confiante com Eletrobras

É claro que o cenário piorou no setor após as mudanças recentes, mas a assimetria está bastante convidativa para a Eletrobras, especialmente se levarmos em conta que nada do que mencionamos aqui afeta a trajetória de melhora de resultados que temos visto recentemente. Por 6x Valor da Firma/Ebitda, Eletrobras (ELET6) segue como uma recomendação da Empiricus Research. 

Sobre o autor

Ruy Hungria

Bacharel em Física formado na Universidade de São Paulo (USP), possui MBA de Finanças na Fipe e iniciou a carreira no mercado financeiro em 2011, na própria Empiricus Research. Está à frente da série da casa focada em opções desde 2018, além de contribuir na elaboração e decisões de investimentos nas séries da Empiricus focadas em microcaps e dividendos, além de fazer o acompanhamento de companhias de diversos setores, com mais foco em Utilities e Oil & Gas. Desde o início de 2020 é colunista do portal Seu Dinheiro.