Investimentos

Rússia, China e Argentina veem fragilidade em suas moedas, com quedas consecutivas frente ao dólar; confira

O desequilíbrio comercial desfavorece tanto a China quanto a Rússia, enfraquecendo suas moedas em escala global.

Por Matheus Spiess

30 ago 2023, 09:17 - atualizado em 30 ago 2023, 09:33

Imagem representando os países emergentes, mostrando bandeiras do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Bom dia, pessoal. Nos mercados asiáticos, o fechamento desta quarta-feira (30) refletiu predominantemente uma tendência de alta. Essa dinâmica seguiu os sinais positivos observados nos mercados globais durante o pregão de ontem. A melhoria do sentimento do consumidor e os dados de vagas de emprego mais fracos do que o previsto contribuíram para aliviar as preocupações em relação às taxas de juros, impulsionando a confiança dos investidores.

Além disso, as medidas de estímulo adotadas pela China também estão exercendo um efeito positivo no ânimo do mercado. Um exemplo disso é o anúncio de Guangzhou, a quinta maior cidade chinesa, que relaxou as restrições aos financiamentos imobiliários.

Por outro lado, a abertura dos mercados europeus demonstra um cenário de queda, enquanto os futuros dos Estados Unidos também apontam para essa direção. O foco da agenda de hoje está na questão da inflação. Esse tema já esteve em destaque desde o início da manhã no Pacífico, com os preços ao consumidor australiano registrando um aumento em julho que ficou notavelmente abaixo das projeções (reforçando a narrativa de desinflação em geral).

Adicionalmente, estão programados os índices de inflação dos preços ao consumidor na Alemanha e na Espanha. No Reino Unido, os investidores estão atentos aos números relacionados aos empréstimos hipotecários. Por fim, nos Estados Unidos, aguarda-se por mais dados referentes ao mercado de trabalho e pela revisão do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre.

A ver…

· 00:55 — Entre vitórias e derrotas

No contexto brasileiro, os investidores têm dado grande atenção aos desdobramentos que ocorrem em Brasília. No dia anterior, foi notável a aprovação do requerimento de urgência para o projeto de lei que estende a desoneração da folha de pagamentos até 2027, abrangendo 17 setores da economia.

Embora considerada uma derrota para a equipe econômica, essa medida resultou em um impacto financeiro superior a R$ 9 bilhões no ano passado, potencialmente acarretando preocupações para Haddad. Ele está em constante busca por novas fontes de receita para o governo federal. Vale ressaltar que, agora, esse projeto não passará por comissões e será submetido à análise no plenário ainda hoje.

Por outro lado, há também razões para otimismo. Enquanto Haddad enfrentou um revés no Congresso, ele obteve ganhos dentro do governo. Surgiu a notícia de que setores mais inclinados à radicalidade dentro da Esplanada dos Ministérios tentaram convencer Lula a considerar a possibilidade de ajustar a meta fiscal, permitindo uma tolerância de até 0,75% do PIB no próximo ano, em vez de manter a meta em zero.

Embora se saiba que a meta de déficit zero é uma aspiração irreal, qualquer alteração, mesmo em um cenário já desafiador, poderia não ser bem recebida. Pelo menos, Lula tomou a posição ao lado de Haddad, optando por manter as coisas inalteradas, pelo menos por enquanto.

· 01:44 — Água no chope

O contrato de petróleo Brent, que é uma referência para a Petrobras, retomou sua trajetória acima da marca de US$ 85 por barril.

De maneira geral, os dados econômicos atuais continuam a revelar uma conjuntura saudável caracterizada pela combinação de desinflação e um crescimento resiliente em nível global.

No entanto, o aumento no preço do petróleo ameaça ressurgir para estragar a festa econômica. As possíveis altas nos preços de energia se destacam como particularmente problemáticas, uma vez que exercem pressão inflacionária.

Isso coloca as autoridades monetárias sob a necessidade de adotar medidas como elevação das taxas de juros, ao mesmo tempo que afetam negativamente o poder de compra dos consumidores.

Considerando a presença de restrições na oferta, incluindo o corte de produção realizado pela Arábia Saudita, é provável que os preços da commodity continuem a subir ou, no mínimo, permaneçam em níveis elevados. No âmbito dos combustíveis, a nova política de preços adotada pela Petrobras visa absorver a volatilidade do mercado externo, porém, essa abordagem não é isenta de custos. Apesar dos recentes reajustes, ainda existe uma defasagem no preço dos derivados do petróleo em relação ao contexto internacional. É fundamental adotar precauções para evitar a repetição dos erros do passado, nos quais o impacto do aumento nos preços do petróleo recaía sobre o balanço financeiro da companhia. 

· 02:36 — E esse PIB?

Nos Estados Unidos, a divulgação dos dados sobre o emprego ontem adicionou mais evidências de que novos aumentos das taxas podem não ser necessários. As vagas de emprego diminuíram para 8,8 milhões em julho, comparadas a 9,2 milhões em junho. Embora esse número ainda esteja um pouco acima dos níveis pré-pandemia, o mercado de trabalho eliminou cerca de 1,5 milhão de vagas abertas nos últimos três meses.

Possivelmente ainda mais esclarecedor é o fato de que, após mais de dois anos de um ciclo aparentemente contínuo de trabalhadores se demitindo e encontrando novos empregos, o movimento conhecido como “demissões voluntárias” (“Great Resignation”) parece finalmente ter chegado ao fim. A taxa de abandono caiu para o nível pré-pandemia de 2,3%. As demissões estão diminuindo porque os candidatos às vagas de emprego estão encontrando menos oportunidades.

A desaceleração na busca por emprego também sugere que o crescimento salarial provavelmente continuará a diminuir, agora que a pressão sobre os empregadores para atrair e reter talentos está diminuindo. Para reforçar essa ideia, hoje temos a revisão do PIB dos Estados Unidos do segundo trimestre, o que pode ter um papel crucial na próxima reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC), que ocorrerá nos dias 19 e 20 de setembro.

· 03:23 — O problema alemão

Quase duas décadas já se passaram desde que a Alemanha conseguiu superar os estigmas econômicos que a rodeavam. Esse feito foi alcançado através de uma série de reformas no mercado de trabalho, que deram início a anos de desempenho notável. No entanto, lamentavelmente para Berlim, a atual trajetória está apontando para uma regressão. A persistente inflação e três trimestres consecutivos de declínio ou estagnação na produção colocaram a maior economia da Europa em uma crise altamente complexa.

De fato, a situação é tão crítica que o Fundo Monetário Internacional prevê que a Alemanha seja a única economia avançada a encolher neste ano, estimando uma contração de 0,3%. Isso se compara a uma expansão média de 0,9% para os 20 países que utilizam o euro, incluindo a própria Alemanha. Uma recessão prolongada seria um desfecho desanimador para uma economia que, na década seguinte à crise financeira de 2008, conseguiu manter um crescimento médio de 2% ao ano, apresentou excedentes orçamentários na maior parte desse período e viu suas exportações se expandirem.

· 04:07 — Rússia, China e Argentina: a fragilidade da moeda

O rublo russo, o yuan chinês e o peso argentino experimentaram fortes declínios ao longo do mês de agosto.

O rublo atingiu seu nível mais baixo desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, refletindo o isolamento crescente da economia russa do cenário global.

Enquanto isso, o yuan chinês se aproximou do mínimo histórico estabelecido em outubro passado, à medida que a economia chinesa luta para se recuperar e retomar o crescimento.

No caso do governo argentino, este reduziu intencionalmente o valor do peso em cerca de 18% para antecipar-se à contínua depreciação.

Recentemente, os bancos centrais da Rússia e da Argentina aumentaram as taxas de juros na tentativa de conter a queda de suas moedas em relação ao dólar. O desequilíbrio comercial desfavorece tanto a China quanto a Rússia, enfraquecendo suas moedas em escala global. O cenário atual é caracterizado pela redução de encomendas de produtos russos e chineses por empresas, uma vez que governos ocidentais intensificam as sanções econômicas.

Uma vez que a confiança é perdida, reconquistá-la se torna uma tarefa árdua. Basta observar o exemplo da Argentina, onde há décadas o governo luta contra a desvalorização do peso. Os argentinos trocam seus pesos por dólares americanos em mercados paralelos e gastam rapidamente todos os pesos disponíveis para evitar a desvalorização, o que por sua vez acelera ainda mais a queda da moeda. A falta de confiança no peso é tão pronunciada que um dos candidatos à presidência propõe adotar o dólar americano como a principal moeda do país. Embora essa solução seja questionável, ela parece representar um cenário que poderemos enfrentar no futuro.

Sobre o autor

Matheus Spiess

Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia. Pós-graduado em finanças pelo Insper. Trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimento do Brasil, além de ter feito parte da equipe de modelagem financeira de uma boutique voltada para fusões e aquisições. Trabalha hoje no time de analistas da Empiricus, sendo responsável, entre outras coisas, por análises macroeconômicas e políticas, além de cobrir estratégias de alocação. É analista com certificação CNPI.