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‘Sem um pacote fiscal robusto, o Banco Central deve compensar com medidas monetárias’, avalia Matheus Spiess, analista da Empiricus Research

Para Spiess, a comunicação de Haddad sobre o pacote fiscal foi “um fracasso” e deteriorou ainda mais as expectativas do mercado; veja o que esperar daqui para frente

Por Nicole Vasselai

28 nov 2024, 15:20 - atualizado em 28 nov 2024, 15:20

pacote fiscal Brasil

Imagem: iStock.com/Andrzej Rostek | Montagem: Canva Pro

Na noite de ontem e na manhã desta quinta-feira (28), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez um pronunciamento oficial que a princípio deveria comunicar ao país os detalhes de um pacote fiscal, com um plano de corte de gastos.

Porém, na visão do analista de macroeconomia Matheus Spiess, da Empiricus Research, as medidas foram muito mal comunicadas: “O governo não só atrasou o pacote, como fracassou vergonhosamente na comunicação. O discurso inclusive tinha uma aparência meio eleitoreira e não posso deixar de citar que foi uma comunicação da ala política com seu público”.

Dentre as propostas veiculadas visando a redução de R$ 70 bilhões, estão:

  • Isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil;
  • Limitação de pagamento do abono salarial a quem ganha até R$ 2,6 mil;
  • Adequação do crescimento dos gastos com as emendas parlamentares ao limite do arcabouço (2,5% ao ano);
  • Mudanças na idade mínima para aposentadoria dos militares;
  • Limitação de transferência de pensões;
  • 50% das emendas de comissões do Congresso serão obrigatoriamente destinadas à saúde pública

As medidas ainda dependem da aprovação do Congresso Nacional.

“Se esse pacote fiscal será executado, aprovado pelo Congresso, não sabemos”, afirma Spiess, no programa Giro do Mercado, do Money Times, portal do Grupo Empiricus.

Comunicação de Haddad representou ‘grande oportunidade perdida’

“O atraso prolongado no anúncio parece ter enfraquecido a consistência estrutural do plano. Se o governo tivesse apresentado de maneira transparente, rapidamente, isso poderia ter endereçado a ancoragem parcial das expectativas do mercado, mas, além de não ter sido o caso, o Haddad ainda veio proposta de isenção de IR. A pauta de fato é válida, mas não para esse momento”, analisa Spiess.

Para o especialista, a abordagem equivocada de comunicação representou uma uma oportunidade desperdiçada de o governo ajustar as expectativas do mercado, que vêm se deteriorando há meses.

Ele também conta que, apesar das críticas recorrentes, ainda esperava que o governo demonstrasse ao menos o “mínimo de sensibilidade em relação ao tema fiscal”: “Mas me equivoquei, ficou claro que não compreenderam em nada a gravidade da situação”.

Falta de confiança do mercado tem se intensificado

Ao longo da tarde de ontem, o mercado local já havia precificado suas preocupações diante de rumores antecipando o que Haddad possivelmente traria no pronunciamento.

Os juros futuros dispararam, o Ibovespa, índice de ações brasileiras, chegou a encerrar o pregão com -1,73%, a 127 mil pontos, e o dólar alcançou máxima histórica, a R$ 5,91, com alta de mais de 1,8%. Na tarde desta quinta (28), inclusive, a divisa chegou a encostar em R$ 5,99.

Segundo Spiess, esse movimento reflete a falta de confiança do mercado em relação à capacidade e à disposição política do governo para implementar um ajuste fiscal sustentável. E ainda faz um adendo: “Isso porque a Bolsa ainda topou esperar [o pacote fiscal]. Do contrário, ela já teria caído para 120 mil pontos lá atrás. E o que aconteceu de ontem para hoje foi justamente essas pessoas, que toparam esperar, vendendo”.

Para o analista, o “estrago, neste momento, já está feito”, e será necessário um esforço muito maior para o governo reverter a perda de confiança, pondera.

Por que pacote fiscal deveria ter vindo melhor

Segundo Spiess, a atual gestão tem intenção de compensar o impacto de mais de R$ 40 bilhões da isenção de IR para salários de até R$ 5 mil com um imposto mínimo sobre rendas elevadas. No entanto, para o analista, “a medida soa insuficiente e mal calculada”.

“Essa solução pode até compensar uma parte da perda de arrecadação, mas não 100%, e aí o efeito líquido é menor”.

Além disso, o analista ressalta que, apesar de o governo afirmar que busca combater privilégios, essa situação fiscal fere justamente a camada mais pobre da população. “Toda vez que você desancora as expectativas do mercado, como o governo tem feito, quem sofre é o mais pobre, porque sobe inflação, sobe dólar. E o rico manda o dinheiro dele pra fora, indexa à inflação”.

Outro ponto importante, ele menciona, é que Educação e Saúde deveriam ter entrado no arcabouço do teto de crescimento de gastos. “Isso foi citado lá atrás e no fim não foi incluído no pacote”.

Sem política fiscal efetiva, a responsabilidade de estabilizar a economia recai sobre a monetária

Para Spiess, embora possa ser parcialmente amenizado no curto prazo, o cenário aponta para uma tendência mais negativa do que positiva.

“Sem um plano fiscal robusto, o Banco Central deve compensar com medidas monetárias. Até então a gente estava imaginando um aumento de 50 pontos-base, mas já achamos mais provável um aumento de 75 pontos-base. E aí, o governo tira o foco do fiscal e foca em criticar os juros, sendo que ele próprio provocou a situação”. Segundo ele, já se projeta uma taxa Selic final na casa dos 13,5% ou mais para o ano que vem.

Para assistir a fala de Spiess na íntegra, é só dar “play” aqui:

Sobre o autor

Nicole Vasselai

Editora do site da Empiricus. Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, com MBA em Análise de Ações e Finanças e passagem por portais de notícias e fintechs.