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Texto da PEC da Transição é um “anteprojeto com requintes de crueldade”, critica economista

Para Felipe Miranda, governo Lula precisa entender que “só poderá haver política social a partir de uma política fiscal arrumada”

Por Juan Rey

17 nov 2022, 17:13 - atualizado em 18 nov 2022, 10:20

PEC da Transição

“É um anteprojeto com requintes de crueldade para os ativos de risco brasileiro”. Foi assim que o economista e sócio-fundador da Empiricus, Felipe Miranda, definiu o texto da PEC da Transição que foi entregue por Geraldo Alckmin ao Congresso na última quinta-feira (16).

Felipe destaca que o orçamento para 2023 muito provavelmente seria revisado independente do vencedor das eleições. “A dificuldade fiscal era grande com o orçamento que havia sido enviado”, afirmou.

Ele lembra que o atual Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, também já havia criticado o modelo da proposta do teto de gastos. “Me parece que o teto já estava com os dias contados”, avalia Felipe.

Ainda assim, o texto enviado por Geraldo Alckmin ao Congresso tem contornos dramáticos para o mercado brasileiro.

“O que não se pode fazer é rediscutir todo o orçamento e não ter a âncora fiscal nem uma equipe de ministros sinalizada. Aqui que pra mim está o grande problema dessa história toda”, entende o economista.

Consequências do texto apresentado são imediatas

O analista ressalta que o DI futuro já está projetando um aumento de quase 50 pontos-base na Taxa Selic ao longo do ano que vem para tentar conter a inflação caso a proposta seja aprovada.

“Se continuar com uma política fiscal frouxa e sem âncora fiscal, o Banco Central vai ser obrigado a agir, como inclusive já sinalizou o presidente do BC, Roberto Campos Neto”, opina Felipe. 

E os possíveis desdobramentos não param por aí. Com a tensão fiscal os juros sobem, o dólar também, as ações da Bolsa caem e os investidores ficam avessos ao risco. A falta de controle nas despesas também representa um risco para o endividamento público, que, atualmente, está em 77% do PIB.

“Você não teria crescimento, a dívida pública ficaria numa dinâmica pior e vai gerar dificuldade de combater a inflação. A consequência indesejada dessas políticas públicas vai exatamente na direção contrária daquela que é anunciada”, explica o economista.

A esperança é que o texto apresentado é uma minuta, e não a PEC em si

O texto da PEC da Transição precisa passar pelo Congresso e não deve ser aprovado tal como foi entregue. 

Felipe destaca a fala do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União-AP) que afirmou que a proposta vai ser “construída por várias mãos” e que o resultado não será “nem de longe o texto apresentado”. 

Um dos pontos centrais a ser definido é o tempo que o Bolsa Família ficará fora do teto. No final das contas, Felipe Miranda acredita que embora o texto apresentado assuste, o resultado final não vai ser tão ruim quanto poderia.

“Acho que vai sair algo melhor do que está, o que não é difícil. Veio da pior maneira possível o anteprojeto da PEC da transição”, conjectura. 

Fato é que o Brasil parece, até o momento, estar desperdiçando uma grande chance de decolar. Com os países desenvolvidos enfrentando a pior inflação dos últimos 40 anos e os demais países emergentes enfrentando problemas de diferentes tipos, o Brasil aparece como uma boa opção para a entrada de investimentos estrangeiros. 

A Bolsa está barata e o país tem um sistema financeiro sólido. Os investidores internacionais, que veem a questão ESG (governança ambiental, social e corporativa) como uma das prioridades, gostaram da eleição de Lula, que tem uma agenda – pelo menos na aparência – mais amigável aos objetivos sociais. 

Na opinião do analista, poucas vezes na história o Brasil esteve em uma posição relativa tão favorável. Mas para aproveitar o momento e rechaçar o ditado de que “não perdemos oportunidade de perder oportunidades”, é necessário resolver as duas principais incertezas do momento: os nomes que vão compor o Ministério da Fazenda e uma demonstração de que vai haver responsabilidade fiscal, o que não tem sido o caso até agora.

“Se simplesmente obedecermos à objetiva contabilidade nacional, entendendo que só poderá haver política social a partir de uma política fiscal arrumada, pois não há multiplicação do dinheiro, poderemos viver, intensamente, um ciclo muito positivo”, finaliza Felipe. 

Sobre a PEC

A PEC da transição prevê excluir R$ 175 bilhões da regra do teto de gastos para o pagamento do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família. Além disso, 40% das receitas extraordinárias (com trava de R$ 23 bilhões) seriam destinados a investimentos sociais, o que totalizaria R$ 198 bilhões.

Para o PT, a PEC da Transição é o caminho para viabilizar a promessa de manutenção dos R$ 600 do Auxílio Brasil. O orçamento apresentado por Bolsonaro previa uma reserva de R$ 105 bilhões para o pagamento do benefício, o que significaria uma redução do valor para R$ 405 por beneficiário.

O teto de gastos foi implantado no governo Michel Temer (MDB) como forma de conter o aumento das despesas do governo federal.

Sobre o autor

Juan Rey

Jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Contato: juan.rey@empiricus.com.br