Você já considerou investir em urânio? A retomada da empolgação do mercado e dos governos ao redor do globo com a energia nuclear em 2023 vem chamando a atenção da equipe de análise de investimentos internacionais da Empiricus Research.
O movimento tem se refletido no preço spot (contratos futuros) do mineral, que sobe em torno de 33% no ano. A cotação já ultrapassa a marca dos US$60/libra. Desconsiderando o choque decorrente da invasão russa na Ucrânia, esse é o maior nível para o mineral desde 2011.
Lembrando que, segundo o CESTGEN Rio de Janeiro, o potencial energético do urânio ultrapassa as possibilidades do petróleo e de outros materiais físseis. Em torno de meio quilo de urânio é capaz de fornecer tanta energia quanto 1.360 toneladas de carvão.
Apesar da forte valorização nas últimas semanas, para João Piccioni, analista-chefe de ativos internacionais na Empiricus Research, os últimos acontecimentos globais mostram que ainda existiria espaço para maiores ganhos com os ativos relacionados à commodity.
Por que o mineral ainda pode se valorizar mais?
Piccioni destaca alguns motivos, como a retomada de reatores nucleares ao redor do globo, com novas unidades conectadas à rede nos Estados Unidos, Europa e Ásia, além de o governo do Japão querer reativar algumas de suas plantas de energia nuclear, mesmo com a memória do desastre em Fukushima (ocorrido em 2011) ainda muito presente na cabeça dos japoneses.
“Além disso, vemos também o desenvolvimento de novas tecnologias, como os reatores modulares de pequeno porte — com a participação de grandes empresas nesses projetos como a General Electric e a Rolls-Royce, que tem buscado maneiras para torná-los viáveis do ponto de vista comercial”, explica o analista.
Ele também cita fatores geopolíticos, como a guerra no continente europeu (com a Rússia sendo uma das principais enriquecedoras do urânio no mundo) e o golpe para destituição do governo na nação africana do Níger, dona de aproximadamente 5% da reserva mundial da commodity e 24% da importação da União Europeia, segundo estimativas do Morgan Stanley.
Os desafios do enriquecimento de urânio
“O urânio que normalmente é negociado no mercado é o U308, um concentrado processado levemente conhecido popularmente como “yellowcake”. Em seguida, esse pó é convertido em uma forma gasosa, depois enriquecido e transformado nas barras de combustível utilizado nas plantas de geração de energia nuclear“, conta Piccioni.
Um problema importante da indústria, conta o especialista, é que poucas empresas são capazes de atuar na parte de enriquecimento do urânio.
Ainda que países como Estados Unidos, Canadá e França tenham empresas que façam essa parte do processo, os outros dois players importantes desse mercado são a China e a Rússia. Só o país comandado por Vladimir Putin tem 40% da capacidade de enriquecimento do planeta.
“Com as tensões cada vez mais crescentes entre as duas maiores economias do mundo, não seria de se espantar que o comércio entre EUA e China nesse segmento também fique sob a lupa dos analistas para ver se não haveria alguma ruptura importante para as empresas que necessitem da commodity para a geração de energia”, comenta Piccioni.
Ele ainda conta que esse número restrito de empresas em uma fase importante do processo tem feito com que as companhias de utilidade pública tentem fechar o máximo de contratos possíveis para não correrem o risco de ficarem sem o combustível em suas operações.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a ConverDyn (única processadora americana) reiniciou a sua planta localizada no estado de Illinois em julho, após uma pausa de quase seis anos. Segundo relatos de pessoas ligadas à empresa, a produção da companhia já está vendida até 2028.
Além disso, a indústria sofre com os longos prazos para a entrega ao cliente final. Segundo Piccioni, as empresas que adquirem o urânio enriquecido hoje só terão acesso ao material a partir de 2026.
De acordo com o banco de investimento Jefferies, as companhias de utilities devem terminar 2023 com o maior nível de contratos para compra de urânio desde 2012. “Isso indicaria um movimento mais sustentável do que aquele observado em 2021, quando o preço da commodity foi impulsionado pela grande participação de investidores de varejo”, avalia Piccioni.
“Se nas condições atuais as dificuldades já estão aparentes (uma nova mina de urânio pode demorar de 8 a 15 anos para começar a extrair o mineral após ser descoberta), fato é que a construção de novos reatores em países como China e Índia deve manter o mercado de urânio ainda em desequilíbrio entre oferta e demanda nos próximos anos“, explica.
Então, como se posicionar em urânio?
Piccioni recomenda se expor ao mineral por meio das ações da mineradora canadense Cameco (NYSE: CCJ), com um peso pequeno. Só este ano o papel sobe quase 80%, mas, para o analista, ainda pode valorizar muito mais.
“O momentum positivo da empresa permaneceu mesmo após a divulgação dos resultados do segundo trimestre que, apesar de ter reportado números satisfatórios, afirmou que teve que rever para baixo a sua estimativa de produção para o ano de 2023″, explica o analista.
Nos seis primeiros meses do ano, a companhia reportou uma receita de US$ 1,2 bilhão, crescimento de 22% comparado ao primeiro semestre de 2022. O lucro bruto totalizou US$227 milhões (+94% vs. 1S22), e o lucro ajustado por ação encerrou o período nos US$0,26/ação, valor 18% maior na comparação anual. O fluxo de caixa operacional, após ajustes de capital de giro, foi de US$302 milhões no período (+10%).
A canadense ainda mantém uma posição de caixa saudável — com aproximadamente US$2,5 bilhões ao final do 1S23 — e um endividamento administrável (US$1 bilhão, além de uma linha de crédito pré-aprovado no mesmo montante), “que deve permitir a direção tocar o dia a dia do negócio sem grandes surpresas nos próximos trimestres”, analisa Piccioni.
Para o especialista, o único ponto de atenção na tese de investimento na companhia está relacionado à sua joint-venture junto com a Kazatomrpom, empresa estatal do Cazaquistão que atua no mesmo ramo.
Isso porque parte da produção do país passa pelo território russo por trem antes de chegar ao porto de São Petersburgo, e, com a invasão da Ucrânia, a Cameco encerrou esse trajeto. E as rotas alternativas (por meio do Mar Cáspio ou do Mar Negro) começaram a apresentar dificuldades com a disputa entre os dois países envolvidos no conflito.
“Mas isso dificilmente mudará o sentimento em relação à necessidade da energia nuclear para a descarbonização da matriz energética ao redor do mundo”, ressalta.
Respeitando uma alocação pequena na carteira, a equipe de investimentos internacionais da Empiricus Research acredita que a Cameco (NYSE: CCJ) seja um dos principais atores para apostar quando o assunto é urânio.