Day One

10 mil horas não são suficientes

“Malcom Gladwell, autor de alguns ótimos livros, mas principalmente um ótimo contador de histórias, […]”.

Por Larissa Quaresma, CFA

09 ago 2022, 11:12 - atualizado em 09 ago 2022, 11:23

Tempo passando
Fonte: Free Pik

Malcom Gladwell, autor de alguns ótimos livros, mas principalmente um ótimo contador de histórias, popularizou uma regra de bolso para se tornar um expert: 10.000 horas de prática seriam necessárias para dominar qualquer assunto.
 
As 10.000 horas são, de fato, condição necessária – mas não o suficiente. Todo esse tempo não adianta muito se o treino for feito em um ambiente inválido.
 
Um ambiente é válido para a prática se lhe dá feedback assertivo sobre erros e acertos. Por exemplo, o caso de um estudante que resolve inúmeros problemas de matemática e tem o retorno irrefutável sobre cada um: errou ou acertou. Caso o estudante treine 10.000 horas nesse ambiente, dificilmente não dominará o tópico em questão.
 
O caso do selecionador de ações me parece um pouco diferente; tenho dúvidas se ele trabalha em um ambiente válido.
 
Em boa parte do tempo (talvez mais de 50%?), o mercado de ações parece se mover de forma aleatória. O analista dedicou tempo, estudou diversas métricas e fez algumas previsões, qualitativas e quantitativas. Fez sua aposta e executou a compra. O que acontece? Às vezes, a ação sobe. Às vezes, ela cai. A aleatoriedade é companheira infalível da profissão.
 
Não é preciso forçar muito a memória para encontrar alguns exemplos disso.
 
Em algum momento de 2019, o otimismo generalizado tomou conta dos mercados. Se a empresa divulgava um bom resultado, a ação subia. Se o resultado fosse ruim, ela também subia. A pesquisa e a análise não importavam muito. Compre uma ação e seja feliz.
 
Então, em algum momento de 2021, o humor virou. Lembro-me bem da temporada de resultados do 3T21, em que algumas empresas executaram bem, outras, não. Pouco importava, tudo se movia para baixo. Venda uma ação e deixe de ser infeliz.
 
São raros os momentos em que o mercado de ações é um ambiente válido para a prática. Para que ele seja, é preciso um certo grau de racionalidade. Mas já sabemos que a racionalidade é algo raro nos mercados. Talvez um pouco de razoabilidade já seja suficiente para praticar.
 
Para a esperança de todos, contudo, a temporada de resultados atual permite enxergar alguma validade no ambiente. O esmero do analista profissional parece ter algum sentido de ser.
 
Isso não significa que esse ambiente só mostra acertos. O importante é o feedback cabal, aquele que não deixa dúvidas. Sucesso ou fracasso, ponto final.
 
Agora na metade do caminho da temporada, os testes parecem estar indo bem.
 
Alpargatas divulgou um resultado ruim, em linha com o que esperávamos, mas pior do que o consenso enxergava. -12% em um pregão. Acerto para o nosso short.
 
Iguatemi soltou um resultado morno, também conforme esperávamos, mas desta vez o consenso estava junto com a gente. A ação não se mexeu muito. Acertamos na previsão, mas será que acertamos em permanecer comprados?
 
Ontem à noite, o Itaú divulgou um resultado surpreendente. Superou o consenso em crescimento da carteira de crédito, dos spreads e em controle da inadimplência.
 
O pregão seguinte ao resultado de Itaú acaba de começar, e pergunto-me se o ambiente continuará válido para teste.
 
Se sim, continuarei contando horas de prática.
 
Um abraço.

Sobre o autor

Larissa Quaresma, CFA

Analista de ações há 10 anos, é responsável pela série As Melhores Ações da Bolsa e pela carteira mensal Empiricus 10 Ideias, além de integrar a equipe da Carteira Empiricus, o portfólio multimercado da casa. Ao longo da carreira, teve passagens pela Núcleo Capital, tradicional fundo de ações brasileiro, e pelo Credit Suisse. Administradora formada pelo Ibmec-MG, aluna visitante da Stanford University e com certificações CFA, CNPI e CGA.