Day One

A indústria -2.0: meus dois grandes erros recentes de análise

“istribuições de probabilidade sobre o futuro […]”.

Por Felipe Miranda

10 out 2022, 18:00

Apontando meus erros
Fonte: Free Pik

Errar faz parte do processo de um analista de investimentos. É da natureza da atividade. Trabalhamos, ex-ante, com distribuições de probabilidade sobre o futuro. Ex-post, só um dos cenários contemplados pela distribuição vai se realizar. Está, por construção, contratado o erro, inexorável.

Em linguagem mais corriqueira, vale aquela máxima: o investidor é sempre um idiota. Se ele comprou e subiu, é um idiota porque deveria ter comprado mais. Se comprou e caiu, é um idiota porque não deveria ter comprado.

Assumindo a avassaladora idiotice a que estamos necessariamente submetidos, fica mais fácil a autoavaliação. Ego zerado e tratamento transparente sobre as próprias considerações.

No entanto, errar dentro de seu círculo de competência, avaliando seu próprio negócio ou seu setor de atuação, é algo normalmente mais problemático e pode custar mais caro. É por isso que, de alguma maneira, os equívocos de que trata este texto poderiam ser vistos como imperdoáveis. Como resume Carla Madeira, o perdão existe mesmo para as coisas imperdoáveis. As perdoáveis já estão superadas. 

Sobre esses meus erros, demos sorte em um deles. Atiramos no que vimos, acertamos no que não vimos. Sobre o outro, corrigimos a rota e estamos prontos. Vamos lá.

Erro número 1: acreditar que a indústria 2.0 representava uma evolução irreversível sobre a indústria 1.0. 

Explico melhor.

A indústria 1.0 se referia àquele modelo da arquitetura fechada. Basicamente, os bancões dominavam a cena, oferecendo aos seus correntistas e investidores exclusivamente os produtos do respectivo banco. Então, na era 2.0, vieram as “modernas” plataformas de investimento, abrindo a plataforma. Na nova corretora, seriam oferecidos também produtos de terceiros, dando ao investidor mais possibilidade de escolha. A figura do gerente do banco cederia espaço para o agente autônomo, supostamente mais qualificado e mais alinhado ao investidor – será?

Parecia fazer sentido. Há méritos na ideia. Nós mesmos víamos avanços na tal indústria 2.0. Apenas a considerávamos incompleta, uma evolução frente a anterior, mas ainda carente de uma real mudança na estrutura de incentivos. 

Em essência, a figura do agente autônomo não resolve o problema do gerente, porque ambos são vendedores (distribuidores). E se você dá ao vendedor de qualquer indústria a capacidade de influenciar a decisão de qualquer cliente, o vendedor estará incentivado a maximizar as suas próprias receitas. Ou seja, a indústria 2.0 daria, sim, mais opções ao investidor, mas não resolveria a natureza do problema. O agente autônomo ainda estaria diante de uma estrutura de incentivos conflitada, em que teria motivações financeiras claras para enfiar (e é este mesmo o verbo) em seus clientes produtos de maior ROA (retorno sobre o ativo; maiores taxas para si mesmo). 

E como diz Charlie Munger, me mostre a estrutura de incentivos e eu lhe direi os resultados. Insisto: não é um problema das pessoas, dos agentes autônomos em si. Qualquer um de nós, sentados naquelas cadeiras, estaríamos fazendo as mesmas coisas – e se você acha que não, lamento pela sua incapacidade de realizar uma autocrítica. “Unskilled and unaware of it”. Todos nós temos bocas a alimentar e boletos para pagar. No primeiro mês em que seu filho lhe pedisse para comprar mais figurinhas do álbum da Copa, você mudaria de opinião.

Por isso, enxergamos a necessidade de uma nova disrupção na cadeia. Haveríamos de caminhar para o modelo 3.0, eliminando por completo o intermediário (o gerente ou o agente autônomo), em linha com a caminhada tecnológica de outras indústrias, em prol da desintermediação total.

Nesse modelo 3.0, quem conversaria com o investidor seria um técnico, um especialista em investimentos – o analista ou o consultor, não mais a figura do vendedor. As recomendações implicariam a mesma receita para a plataforma e para o interlocutor (analista ou consultor), garantindo isenção e melhores decisões para o investimento. 

Continuamos 100% convencidos de que o modelo 3.0 é superior ao 2.0. Qual foi o erro, então?

Na teoria, até o socialismo funciona. O modelo 2.0, que parecia uma evolução frente ao anterior, se mostrou muito mais tóxico na prática do que poderíamos supor a priori. Estamos elevando o nível de conflito para patamares inimagináveis. A competição e a indisposição do investidor a comprar qualquer coisa além de pós-fixado com liquidez diária no bear market implicaram um cenário hoje pior do que aquele de anos atrás. 

Cuidado com o que você deseja. Por anos, sonhamos em quebrar o oligopólio bancário para ampliar o excedente do consumidor. Acordamos com uma transferência de valor bizarra na cadeia para a figura do distribuidor (agente autônomo).

Na prática, é ele quem determina a alocação do investidor hoje. E por que isso é uma involução frente ao modelo bancário anterior?

O gerente do banco tinha, claro, metas a cumprir. Mas o sujeito era CLT, tinha um salário razoável, estava sob o guarda-chuva de uma instituição respeitada (alguém colocaria o nome do Bradesco ou do Itaú em risco para maximizar o ROA mensal num COE maluco ou num crédito sem qualidade?), dispunha de certa estabilidade e podia, assim, pensar numa carreira a médio e longo prazo.

O agente autônomo não tem nada disso. O sujeito recebe um salário de fome e precisa captar para ter uma remuneração variável. É a diferença entre a miséria e a glória. 

Veja o que acaba de acontecer com um dos grandes bancos. Ele mudou sua estrutura de incentivo e os “assessores” passaram a ganhar um salário fixo inferior a R$ 2 mil (sim, é verdade factual, sem interpretação). O resultado? Ficaram aqueles dispostos a empurrar em seus clientes produtos de altíssimo ROA (bom para o banco e para si). Muitos saíram.

Note o que está rolando na indústria de fundos, também absolutamente factual. As campanhas de captação, que antes já contavam, sim, com promoções agressivas de aumento de taxas de rebate, agora assumem contornos inéditos. Diante da dificuldade geral de captação, gestoras estão topando antecipar, na cabeça, o pagamento de um ou até dois anos de taxas para serem distribuídos pela força de vendas da plataforma. E se você não entrar na dança, já era. Fica ali escondido e reza para alguém lembrar de você. É o ápice do conflito. “Se você distribuir o fundo X até o dia tal, ganha 100% da taxa de administração e performance do primeiro ano todinho.” Qual a chance de alguém distribuir o fundo Y, ainda que esse seja muito superior a X?

Nunca estivemos numa situação tão ruim. O modelo 2.0 de hoje é inferior ao anterior. Mais do que nunca, é fundamental insistirmos na caminhada em direção à indústria 3.0. Achamos inicialmente que ela seria uma evolução incremental frente a 2.0. Mas é muito mais do que isso. É o único caminho possível para uma melhoria frente ao oligopólio bancário original.

Agora podemos falar do erro número 2. Quando pensamos na nossa plataforma de investimentos, entendíamos, naquele momento, que, a partir de um research técnico, grande (escala importa) e com acesso institucional, o investidor já teria tudo que ele precisava. Um modelo 100% digital e escalável, a partir de nossas carteiras recomendadas.

Estávamos errados. Ainda que esse modelo fosse superior às indústrias 1.0 e 2.0, ele estava incompleto. 

Por definição, o analista fala para o público geral. Ele emite suas opiniões sobre empresas, ativos, mercados, alocações, sem considerar idiossincrasias pessoais. “Vale é compra, porque meu cenário-base sugere uma apreciação de mais de 10 pontos percentuais acima do Ibovespa”, por exemplo. Mas isso não necessariamente respeita as particularidades de cada investidor. Se o sujeito teve algum incidente pessoal em Mariana (para citar um caso exagerado aqui), possivelmente ele não vai querer seguir a recomendação de compra da Vale.

Perfil de risco, horizonte temporal, gastos pessoais, questões sucessórias, especificidades tributárias, diversidade de receitas e dispêndios de moedas… tudo isso, e muito mais, pode ser adicionado numa avaliação da carteira ideal para o respectivo investidor, individualmente.

Hoje, entendo que não se trata de um antagonismo entre o modelo puramente digital frente ao analógico. A toda estrutura digital e escalável, podemos adicionar uma nova camada, de assessores para, auxiliados e ancorados no trabalho de um bom research, definir alocações individualizadas. Não consigo pensar em algo superior a isso.

Temos algo único aqui. Sob a liderança de Caio Maia e a coordenação da Gabriela Lopes, com a supervisão da Beatriz Nantes, temos insistido neste modelo de assessoria, subsidiado pelo nosso research. Hoje, é a coisa que mais me empolga. Se você ainda não conhece a assessoria da Empiricus Investimentos e dispõe de R$ 100 mil para investir, fica aqui o convite.

Quem sabe não tenhamos já inaugurado a indústria 4.0?

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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