Na medida em que o engolimos o gosto amargo desta ressaca pós-carnaval, somos obrigados a lembrar de um dos debates mais ontológicos do mercado financeiro:
O Fed é quem deve guiar o mercado, ou o mercado é quem deve guiar o Fed?
Teoricamente, é claro que se trata de um sistema endógeno, em que ambas as forças se influenciam mutuamente, ad infinitum.
Na vivência prática, porém, percebemos momentos de alternância entre os entes dominantes.
Ao fim de 2023, por exemplo, o Fed claramente tomou a frente das negociações, guiando o mercado rumo a um corte probabilístico dos juros americanos em março próximo.
Foi uma grande festa, open bar, com patrocínio institucional do rali de fim de ano.
Desde então, leituras de employment report e CPI acima do esperado deslegitimaram a condução do Fed.
Dando um cavalo de pau, o mercado se viu obrigado a abrir mão de março e reconvergir para meados de junho, quiçá fim de julho.
Em defesa de Jerome Powell, alguém poderá argumentar que seu discurso sempre frisou o “data dependent” – ou seja, a sensibilidade das decisões marginais de política monetária face ao empirismo dos indicadores incógnitos de atividade e inflação.
Ao que eu gostaria de ponderar: bem, se for para ser 100% dependente de dados, por que precisamos de um presidente do Fed, ou de um comitê de política monetária?
O mercado pode perfeitamente interpretar os dados da economia em tempo real, sem qualquer ajuda institucional, mas então embarcaremos em uma montanha russa bastante agitada.
Em tese, o poder interpretativo do Fed/Fomc existe exatamente para suavizar os picos de volatilidade inerentes à economia real, e não para amplificá-los.
Nesse sentido, acho que já podemos dizer que o Fed errou; há razões para acreditar em uma vol de idas & vindas igual ou maior que a de um cenário hipotético sem Fed.
Mas não resta consolo algum em botar essa culpa no Jerome Powell.
Quando ele erra, nós todos erramos juntos.