Day One

Agora que a maré baixou, quem está nadando pelado?

“As estratégias de investimento pautadas pelo “growth”, ou que priorizam empresas de alto crescimento, ficaram populares durante boa parte dos últimos […]”.

Por Larissa Quaresma, CFA

03 maio 2022, 15:10

As estratégias de investimento pautadas pelo “growth”, ou que priorizam empresas de alto crescimento, ficaram populares durante boa parte dos últimos cinco anos. Quanto menor fosse a taxa de juro, maior a procura por empresas com alto potencial de expansão. Com o capital barato demais, valia a pena correr o risco de a empresa nunca dar lucro, apostando as fichas na pequena probabilidade de que fosse o próximo unicórnio.

Agora, no que parece outra era na evolução da humanidade, o juro alto no Brasil e a iminência de subirem nos países desenvolvidos mostram que nem todo crescimento gera valor para os acionistas — em alguns casos, ele pode inclusive destruir. É o estouro da bolha tech: primeiro, no Brasil; agora, lá fora. Quase tudo cai, mas tem coisa que cai com mais força. Por aqui, entre as empresas de tecnologia, notadamente as que vieram para a Bolsa nessa última leva de IPOs, não são raros os casos de papéis que caíram 70% ou 80% desde suas máximas.

Os compradores de plantão argumentam que, após quedas dessa magnitude, fica difícil ignorar a oportunidade de compra. Todavia, não é porque caiu 80% que está barato — em alguns casos, continua caro. Por vezes, inclusive, pode estar mais caro ainda, depois das revisões dos lucros projetados pelo mercado, agora refletindo o cenário real à frente. É quando a maré baixa que vemos quem está nadando pelado.

Temos alguns exemplos anedóticos de empresas que, quase no desespero de surfar a preferência dos investidores pelo growth, buscaram-no a qualquer custo. Lembra do caso da WeWork, que abriu espaços de coworking nos quatro cantos do mundo e depois se viu obrigada a recorrer ao Chapter 11? (Esse é o capítulo do código de falência americano que permite a recuperação judicial de uma empresa.) Ou mesmo o caso da Evergrande, incorporadora chinesa que cresceu comprando estádios de futebol e operando parques de diversão, para depois se ver afundada em dívidas quando seus investimentos não deram o retorno esperado.

O crescimento a qualquer custo destrói valor. Porque, da mesma forma que o investidor analisa suas opções de investimento de forma relativa, sempre em comparação com o seu custo de capital, o empresário deveria fazer o mesmo com a empresa que está tocando. A companhia deveria somente investir em projetos de crescimento que produzem retorno superior ao seu custo de capital.

Para que isso aconteça de forma sustentada, a empresa só tem uma opção: crescer dentro do seu círculo de competência, isto é, naquilo em que já produziu esses retornos em excesso e em que consegue continuar fazendo. Para tal, precisa ser protegida por barreiras de entrada: somente há criação de valor quando o incumbente tem habilidades que novos entrantes não conseguem replicar.

A forma mais simples de criação dessa barreira é simplesmente com o monopólio típico de uma concessão governamental, o que observamos em empresas de utilidade pública de setores como energia, transporte e saneamento. O problema é que, nesses casos, os preços são geralmente regulados, não permitindo ao monopolista usar da sua situação para jogar as tarifas (e suas margens) na lua.

Outra forma de barreira de entrada são as vantagens de custo, seja por acesso a maquinário e mão de obra barata ou acentuadas economias de escala. Vemos essa vantagem estrutural em manufaturas orientais, por exemplo.

Uma terceira forma de barreira de entrada, essa bem interessante, vem da demanda cativa dos clientes. Isso pode ser criado com custos de mudança grandes para o consumidor, como no caso da extensa adaptação necessária para trocar seu software da Microsoft para outro, por exemplo. O cliente cativo pode ser conquistado, também, pela força de uma marca que tem preferência absoluta tanto junto a novos clientes quanto a antigos (pense nos sapatos femininos da Arezzo ou nas camisetas onipresentes da Reserva).

Situações como essas são verdadeiramente difíceis de serem criadas e, portanto, raras; muito embora boa parte das empresas listadas insista que esse é justamente o seu caso.

Não caia no conto do vigário — ou aparecerá pelado quando a maré baixar.

Um abraço,
Larissa

Sobre o autor

Larissa Quaresma, CFA

Analista de ações há 10 anos, é responsável pela série As Melhores Ações da Bolsa e pela carteira mensal Empiricus 10 Ideias, além de integrar a equipe da Carteira Empiricus, o portfólio multimercado da casa. Ao longo da carreira, teve passagens pela Núcleo Capital, tradicional fundo de ações brasileiro, e pelo Credit Suisse. Administradora formada pelo Ibmec-MG, aluna visitante da Stanford University e com certificações CFA, CNPI e CGA.

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