Os comunistas eram péssimos administradores, mas bons frasistas. Em referência à Alemanha pré-nazista, Leon Trotsky descreveu:
“Não é apenas nas casas dos camponeses, mas também nos arranha-céus das cidades, que o século XIII vive ao lado do XX. Cem milhões de pessoas usam a eletricidade e ainda acreditam nos poderes mágicos de sinais e exorcismos. As estrelas de cinema procuram médiuns. Os aviadores que pilotam mecanismos milagrosos criados pelo gênio do homem usam amuletos em seus suéteres. Como são inesgotáveis as suas reservas de trevas, ignorância e selvageria!”
Pseudociência, misticismo, teorias da conspiração, fake news, muitas vezes à frente da ciência, não são exatamente uma novidade. Passados outros cem anos, os índices de analfabetismo científico continuam altos. Os ecos do século XIII, surpreendentemente, soam ainda mais barulhentos.
Parte da esquerda insiste numa espécie de “cloroquina da economia”, desrespeitando a aritmética elementar das contas públicas, enquanto abusa de platitudes populistas do tipo “ajuste fiscal não-recessivo”. A retórica vazia propõe “a entrada do pobre no orçamento” enquanto, na realidade impiedosa, a inflação aleija e o câmbio mata… o pobre, claro. O rico segue com seus fundos exclusivos em Luxemburgo e a pouca alocação local está protegida no IPCA+. Tom Jobim cometeu um erro ao dizer que “o Brasil não é para amadores”. A julgar pelas alocações de grandes investidores, corre a suspeita de que ele seja só para amadores. Os profissionais já saíram há muito tempo.
Parte da direita também tem a pseudociência para chamar de sua. Se você tomar um café com Deus Pai ou se batizar no Rio Jordão, a teologia da prosperidade garante milhões a caminho. Como resume Carl Sagan, “como seria agradável se pudéssemos, à semelhança do folclore e das histórias infantis, satisfazer os desejos do nosso coração pelo simples ato de desejar.” Num exemplo atualizado de caudilhismo, referências a altos níveis de testosterona, discursos entusiasmados do coach predileto ou simpatia pessoal pelo político de estimação da vez importam mais do que melhorias institucionais, desfazimento de nós microeconômicos, reformas administrativa, previdenciária, tributária e/ou política, programas de privatização e concessão. “Se for imbrochável ou bater em tubarão, tem o meu voto!”
Lauro Jardim noticia que Gleisi Hoffman foi à XP para conversar com investidores. Disse, por exemplo, que Gabriel Galípolo acertou quando trabalhou para ganhar a confiança da Faria Lima neste ano, mas que isso deixaria de ser importante para 2025, sugerindo que o futuro presidente do BC vai afrouxar as rédeas da política monetária. Seria difícil até quantificar quantos problemas há nessa frase, mas ao menos dois são alarmantes. Já conhecíamos a versão “estelionato eleitoral”. Agora, estaríamos prestes a observar a estreia do “estelionato monetário”. Para quem criticava o PT por cometer os mesmos erros, podemos nos tranquilizar: somando a esses equívocos antigos restaurados, incorreremos em erros novos também. O outro problema é mais óbvio: a capacidade de Gleisi Hoffmann em saber o que vai acontecer com a política monetária, uma afronta óbvia e direta à autonomia do Banco Central.
Segundo a mesma matéria, Gleisi ainda teria dito que, para 2026, Lula precisará “ampliar seu arco de apoio partidário na reeleição. E citou o MDB como um partido a ser incorporado à aliança.”
Aqui me parece haver uma inconsistência com o parágrafo anterior. É possível (embora não seja necessariamente provável) que Gabriel Galípolo afrouxe as rédeas da política monetária em 2025. Também é possível que o MDB, um partido de centro, seja incorporado à aliança em prol da reeleição do presidente Lula, embora quem ouviu Michel Temer no BR Partners na semana passada pudesse desconfiar da proposição. Seria — devemos reconhecer — uma demonstração inequívoca da capacidade de perdão do PT: o partido do “gópi” compondo a coalização! Agora, as duas coisas juntas (política monetária frouxa e composição com o MDB) são difíceis de acontecer.
Se Galípolo afrouxar a política monetária sem as condições técnicas apontarem nessa direção, cedendo aos anseios do presidente Lula ou de seu partido, perdemos a única âncora que nos resta. Será uma radicalização da política econômica à esquerda. Teríamos caracterizada a ideia de “dilmização”, o que dificultaria a atração do centro e, por conseguinte, do MDB. É legítimo virar o volante à esquerda ou ao centro. Ao mesmo tempo, porém, não dá.
“Palavras não pagam dívidas”. A retórica de Gleisi importa menos ao mercado, sobretudo porque seu Twitter já é bem conhecido. Sabemos o que ela pensa. Está muito mais no campo do ruído do que no dos sinais. Há outra inconsistência mais relevante no momento.
Olho para a curva de juros e vejo taxas beirando 13% por quase toda sua extensão. Talvez seja um prenúncio de que o mercado projeta a reeleição do número 13 na próxima eleição presidencial. Afinal, para termos juros tão altos por tanto tempo, precisaríamos continuar com a política fiscal perdulária, sem ajuste. Assumindo que a oposição teria um viés mais fiscalista, reformista e pró-mercado, a configuração atual dos preços dos ativos implica o apreçamento da continuidade do status quo. Se Stanley Druckenmiller está correto ao dizer que o comportamento dos mercados, com dólar, bitcoin, ouro, bancos e small caps subindo, indica a crença na eleição de Donald Trump, poderíamos traçar paralelo semelhante com o caso brasileiro. Esse nível de juros só é consistente com a preservação do descontrole fiscal.
A inconsistência surge pois me parece improvável a reeleição do presidente caso não caminhemos na direção de algum mínimo ajuste fiscal. Se continuarmos nessa toada de desancoragem das expectativas de inflação, dólar em alta e juros de 13% para todo horizonte de projeção, estaríamos contratando uma severa crise para 2026. Com dólar a R$ 7 e Selic a 14%, teríamos impacto sobre a popularidade do governo. Pode até não ser mais só sobre “a economia, estúpido”, pois a pauta de costumes tem pesado bastante. Mas certamente as condições econômicas ainda importam.
Numa sociedade polarizada e muito dividida, uma deterioração das condições econômicas e financeiras pode ser determinante para fazer mudar o pêndulo político, especialmente numa sociedade que já marcha mais à direita, conforme demonstrado nas eleições municipais. Em sendo o caso, os juros longos não poderiam estar em 13%.
Para fazer sucesso, até a pseudociência, embora mentirosa e assentada sob premissas falsas, precisa ter coerência interna.