“Mas para meu desencanto
O que era doce acabou
Tudo tomou seu lugar
Depois que a banda passou.”
– Chico Buarque
Devidamente elucidativa a matéria do Valor, publicada no início da semana, acusando o mau uso da banda fiscal.
Em tese, a banda de resultado primário deveria servir para acomodar situações excepcionais, para o bem ou para o mal.
No entanto, a esta altura do campeonato, todos nós já entendemos que o piso da banda virou o centro da meta.
Ou seja, o Governo Lula só tem tomado medidas sérias de contingenciamento quando esbarra no limite inferior da margem de tolerância.
Naturalmente, isso afeta a credibilidade do pacto econômico chamado de “novo arcabouço fiscal”, e ameaça o próprio cumprimento do limite inferior, pois acabamos por replicar a lógica inerente de intervalo de confiança também para ele (todo piso contratual tem também o seu próprio piso estatístico).
Mas, infelizmente, essa não é a pior parte da história, pois da gestão fiscal brasileira nunca esperamos muito mesmo.
Conforme explicado na referida matéria, o conceito da banda fiscal provavelmente foi emprestado pela equipe de Haddad do regime de metas de inflação, que baliza os principais marcos de política monetária no mundo ocidental.
Aqui, porém, identificamos uma perigosa transferência de habitus no campo das políticas econômicas.
Sequestrada pela política fiscal, nossa política monetária desenvolveu laços emocionais profundos com seus captores, e acabou por assimilar e reproduzir alguns de seus traços mais viciosos.
Veja, isso tem pouco a ver com o conceito econômico de “dominância fiscal”, e muito mais a ver com um conceito social (teoria dos jogos) de dominância fiscal.
Conforme a cartilha, o jogo de cintura de um lado deveria ser compensado pela rigidez do outro lado. Porém, na prática, o custo proibitivo da rigidez acaba por ditar a mímese do jogo de cintura original.
Se não podemos jogar separados, vamos jogar juntos…
À medida que o tempo passa, o Copom parece brigar – sem sucesso – pelo teto da banda de inflação (proporcional ao piso da banda fiscal), criando assim uma nova banda tácita em cima desse teto.
Prova disso está nas leituras sucessivas do Focus, agora já denunciando 4,63% de IPCA esperado para este ano ( > 4,50%), e percentuais sistematicamente acima do centro da meta de 3,00% para 2025, 2026 e 2027.
Em defesa do Bacen, devo argumentar que não é verdade que a trajetória da inflação brasileira está desancorada; ela só está ancorada em um outro lugar, mais alto.
Gestão fiscal faz banda virar meta, e a gestão monetária também.