Day One

Blood Bath and Beyond

“Se você precisa explicar uma piada, provavelmente ela é uma piada ruim ou você é um mau humorista. Neste caso […]”.

Por Felipe Miranda

22 ago 2022, 10:24 - atualizado em 22 ago 2022, 10:24

Pensamentos
Fonte: Free Pik

Se você precisa explicar uma piada, provavelmente ela é uma piada ruim ou você é um mau humorista. Neste caso, estamos diante dos dois. 
 
O título deste Day One é um trocadilho em alusão à Bed Bath and Beyond, a nova meme stock que explodiu recentemente sem a concreta contribuição de seus fundamentos, e ao banho de sangue (“Blood Bath”) observado nos mercados desde a última sexta-feira.
 
Mais do que uma figura de linguagem, ele serve de alerta para um possível otimismo exagerado que vinha se estabelecendo nas bolsas internacionais, como se a inflação global já estivesse domada, os Bancos Centrais não precisassem mais subir tanto suas taxas básicas de juro e os valuations já pudessem voltar a se expandir. 
 
Ora, ora, se voltamos a repetir o fenômeno da Gamestop e se Adam Neumann já está captando centenas de milhões de dólares de novo, mesmo depois de tudo, com direito a série na Netflix, talvez precisemos redobrar os cuidados. Estamos  (ou estávamos) possivelmente ainda sob os efeitos de alguma euforia.

Conforme argumenta importante analista internacional, se você vê atratividade no S&P 500 a 4.300 pontos (nível atingido na semana passada), é como se concordasse também que: a capacidade explicativa de juros e inflação para determinar o comportamento das ações é a menor da história, lutar contra o Fed funciona (“fight the Fed works”) e o quantitative tightening (enxugamento do balanço do Banco Central) não traz grandes impactos, ainda que o quantitative easing (expansão do balanço do BC) tenha sido fundamental para guiar o preço dos ativos alguns anos atrás.
 
Michael Hartnett, do Bank of America Merrill Lynch, foi bastante enfático ao final da semana passada, identificando um exemplo de livro-texto para descrever o desempenho recente de Wall Street. Disse algo mais ou menos assim: “a alta de 17,4% do S&P 500 desde as mínimas de junho foi um clássico ‘bear market rally’ (rali dentro de uma tendência de baixa maior). Dos 43 ralis de bear market desde 1929, nos quais o S&P 500 subiu mais de 10%, a valorização média foi de 17,2% e a subida durou 39 dias de trading. Desta vez, o índice sobe 17,4%, numa direção de 41 dias de trading.”
 
Hartnett alerta para um possível otimismo exagerado e prematuro sobre o fim da subida da taxa básica de juro nos EUA. Ele lembra que a última vez em que o Fed encerrou um ciclo de aperto monetário com taxas de juro reais negativas foi em 1954. Vendo complacência no julgamento dos riscos no horizonte, ele vê dias contados para a era de valuations muito elevados, porque os drivers para isso teriam se dissipado. As injeções monetárias pelos Bancos Centrais, o livre movimento de comércio, de capital e de pessoas, as tensões geopolíticas controladas… tudo isso já era. Entraríamos num regime de maior inflação com uma postura secular em favor de caixa, commodities e mais volatilidade.
 
Não sei se ele está certo. Acho que ninguém sabe. Talvez seja prematuro também cravar que o movimento recente foi apenas um bear market rally, assim como tinha sido a caracterização de que o pior ficara pra trás. Tudo que enxergamos é uma distribuição de probabilidades. Parece, de fato, que, dados os valuations do S&P 500, estávamos antecipando apenas o cenário mais otimista para inflação, juros e lucros. Assim, a assimetria não estava (e a verdade é que a ainda não está) muito convidativa para compra de ações norte-americanas.
 
Com efeito, mantemos uma posição short (vendida) em S&P 500, como hedge (proteção) frente à exposição comprada em ações brasileiras. Somos bons produtores de commodities, uma democracia superior a qualquer autocracia (como tantas existentes por aí hoje), a eleição brasileira dá sinais de uma convergência mais ao centro, a economia traz indicadores surpreendentemente positivos e a concorrência de outros emergentes se esforça para nos ajudar. 
 
A Rússia já estava fora do jogo do fluxo de capitais internacional e agora a China conduz um afrouxamento monetário desconectado com o restante do planeta e enfrenta uma seca às vésperas de importante colheita de grãos e com impacto sobre disponibilidade de energia.
 
Aos 200 anos de independência, já estamos bem grandinhos para nutrir falsas esperanças ou expectativas adolescentes ingênuas. Se o banho de sangue continuar em Wall Street, alguma correção será inescapável. Mas há bons elementos em prol de uma melhor performance relativa de Brasil.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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