Day One

Caipirinha de caipirinha

Um jogo que eu inventei de jogar quando era adolescente é: “o mundo pode ser dividido em dois tipos de pessoas”. É meio fácil de jogar.  Você simplesmente vomita essa frase despretensiosa e então a aplica a qualquer contexto pertinente, sem grande rigor científico. Por exemplo: “o mundo pode ser dividido em dois tipos de […]

Por Rodolfo Amstalden

12 abr 2023, 15:12 - atualizado em 12 abr 2023, 15:12

Sobre caipirinha e a (a)normalidade do pregão de ontem

Um jogo que eu inventei de jogar quando era adolescente é: “o mundo pode ser dividido em dois tipos de pessoas”.

É meio fácil de jogar. 

Você simplesmente vomita essa frase despretensiosa e então a aplica a qualquer contexto pertinente, sem grande rigor científico.

Por exemplo: “o mundo pode ser dividido em dois tipos de pessoas – aquelas que gostam de jogos idiotas e as que não gostam”.

Com alguma sorte, é possível capturar doses mundanas de sabedoria nessas clivagens aparentemente arbitrárias.

Na barraca da praia, nota-se que existem pessoas que pedem caipiroska e outras que pedem caipirinha de vodka.

Particularmente, costumo admirar a turma da caipiroska – mais imaginativa e tropicalista –, embora não funcione para a variação da caipisakê, que me transmite o efeito contrário.

Aquelas pessoas que dizem “caipisakê” estão tentando imitar a criatividade da caipiroska por meio de paralelismos sintáticos, mas sem o mesmo charme. 

Eu tenho um amigo que – graças a deus, não trabalha no mercado financeiro – vai na mesma barraquinha de sempre, só que aquela era sua primeira vez; faz um tempo já.

– Bom dia! Solzão maravilhoso, hein? Por favor, você pode me fazer uma caipirinha? 

– Claro! Você quer caipirinha de quê?

Esse meu amigo ficou transtornado. 

– Como assim, caipirinha de quê? Caipirinha de caipirinha, uai! Limão, cachaça, açúcar, gelo. Sabe como é?

A moça da barraquinha deu risada, pediu desculpas, entendeu, e hoje não pergunta mais pra ele. 

– Você tá certo, antes era assim, mas é que o mundo mudou muito, hoje o cliente tá criativo demais, e a gente se acostumou a perguntar, pra não correr o risco, né?

Esse é o risco de se dividir o mundo em dois tipos de pessoas. Sujeito começa a jogar e não consegue mais parar. Vai dividindo, dividindo e, de repente, surgem 256 modalidades diferentes de caipirinha, feitas para todos os gostos.

Meu amigo me ligou boquiaberto pra perguntar se o pregão de ontem era normal. 

Eu respondi que o mundo pode ser dividido em dois tipos de investidores.

No primeiro tipo, estão aqueles investidores que entendem o pregão de ontem como algo raro, mas que acontece.

No segundo tipo, estão os investidores que entendem o pregão de ontem como algo que acontece, mas é raro.

– Uai, Rodolfo, mas aí onde estão os investidores que veem o pregão de ontem como algo normal?

Esses não são investidores.

Sobre o autor

Rodolfo Amstalden

Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.

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