Depois de escrever um best-seller sobre o sucesso, hoje resolvi falar sobre o fracasso. Em caráter extraordinário, dispenso a definição talebiana de sucesso, ligada a não ter vergonha de encontrar sua imagem no espelho aos 18 anos e mostrar seu caráter atual. Sob essa ótica, que continuo acreditando ser a realmente importante, ainda posso visitar aquele menino do Colégio São Luís sem decepções relevantes. “Podem até maltratar meu coração, mas meu espírito ninguém vai conseguir quebrar.”
Excepcionalmente, fracasso aqui está definido como a impossibilidade de superar certos obstáculos que se colocam pelo caminho. Por mais que você se esforce, uma hora você bate com a cara no muro. “O sistema é foda.”
Talvez essas confissões, tais como aquelas de Santo Agostinho, sejam, na verdade, um hino de louvor.
Passei o final de semana no interior de Minas Gerais. E, quando digo interior, estou falando da roça mesmo. Se você acha que o Brasil é a Faria Lima ou o Leblon, a praia do Sancho ou Jeri, me desculpe, mas você não entendeu nada.
O motivo principal da rápida viagem para destino distante é a triste e avançada doença de uma tia. Como resumiu Daniel Galera, “só há dois lugares possíveis: a família e o resto do mundo.”
Admito, porém, que em determinados momentos fujo para dentro de mim mesmo. Mergulho nas próprias profundezas para encontrar força e perseguir a verdade. A alma tem seus próprios ancestrais.
Senhora do Porto faz parte da constituição do meu caráter. Ela ajuda a caracterizar meu jeito de ser e estar no mundo. Lá, passei boa parte das férias da infância, quando montávamos a cavalo no pelo, víamos mulas sendo adestradas sem qualquer advento da doma dócil – não me orgulho; apenas é o que é.
De manhã, pulávamos da ponte no rio, para sentir a adrenalina penetrando nas veias e a xistose e outras verminoses adentrando o corpo. %%=ContentBlockByName(“card_native_dayone_free”)=%%
À tarde, jogávamos futebol na única quadra da cidade. Eu era um dos poucos calçados, contra a maioria dos pés pretos descalços, sobre os quais as divididas mais doíam em mim do que neles. Até hoje me orgulho de que aqueles pretos, que mantinham uma equipe fechada entre eles chamada “Time do Morro”, pediam para que eu virasse a casaca e jogasse naquela esquadra, liderada pelos irmãos Tita e Pretinho – e foi ótimo reencontrá-los no sábado. Pretinho é o Zidane brasileiro.
Mais para o fim do dia, nos encontrávamos no bar da praça, hoje sob o comando do meu tio Dacinho, para beber cachaça, jurubeba Leão do Norte e, quando sobrava algum dinheiro, umas doses de Campari – era chique na época.
Entre os vários Felipes que habitam em mim, é este que escreve o Day One desta terça-feira. Ele resolveu contar-lhe dez coisas que muito possivelmente você não vai ouvir por aí.
1 – Investidor tem perfil de risco agressivo até ver suas ações caírem. Suitability de verdade se vê no dia a dia, não no preenchimento de um questionário anterior à realidade objetiva dos investimentos. A história de preferências estáveis, de que sou avesso, indiferente ou amante do risco independente da situação e do momento de vida, só encontra materialidade nos livros de Financial Economics. Nas Finanças Comportamentais, não somos avessos a risco, mas avessos a perdas, alterando nossas preferências conforme o quadro. Ainda mais na fronteira, diante da racionalidade biológica, é racional ser amante do risco se você está quase morrendo; enquanto é igualmente racional ser conservador se a vida vai bem.
2 – O dinheiro grosso você ganha onde não há tela. Se existe tela e você observa as ofertas de compra e venda, boa parte do processo já está devidamente arbitrado. As verdadeiras tacadas ocorrem no pré-IPO ou em operações de dívida estruturada com pouco disclosure de preços e taxas, mas seu agente autônomo não vai te contar isso.
3 – Retorno passado é o maior indicador antecedente de captação. E também o pior. Na maior parte das vezes, o líder do ranking é apenas um irresponsável com sorte. Ele apostou num cenário de baixa probabilidade, concentrou ou se alavancou e aquilo deu certo. Olhando em retrospectiva, pareceu genial. Visto como uma decisão tomada ex-ante olhando a distribuição de probabilidades à frente, foi um erro tremendo. O camarada que vendeu a casa há 15 anos e comprou bitcoin está multimilionário, mas impôs um risco de sobrevivência à sua família. Fuja dos líderes dos rankings. Existe reversão à média.
4 – Trader não admite pagar R$ 10 de corretagem, mas admite numa boa deixar um ROA de 2% no RLP.
5 – O investidor conservador não topa a volatilidade, nem sequer perder 1% do seu net worth, mas aceita pagar 8% de ROA num COE de quatro anos sem nenhum problema, principalmente se a operação estruturada vier acompanhada do nome de uma gestora global famosa em renda fixa – o caso é conhecido.
6 – Partnership é a taxonomia que os adoradores do MBA Talking e os corporate guys adotaram para rebatizar a rinha de galo. “Se matem aí entre vocês por um pedaço do mesmo bolo.” Todo mundo finge que rema junto, contanto que a área do coleguinha vá pior do que a sua. Farinha pouca meu pirão primeiro.
7 – O Estado existe apenas para alimentar a si mesmo. Até aí, beleza. Thomas Hobbes escreveu “O Leviatã” há bastante tempo. O que as pessoas muitas vezes negligenciam é que o mesmo vale para instituições privadas, onde se perdem as noções de certo e errado em prol da autopromoção e defesa própria. A instituição se protege acima de qualquer coisa.
8 – Onde há competição por dinheiro, não existe amizade verdadeira. O mercado financeiro é um ecossistema de muita competição por dinheiro.
9 – O estagiário quer trabalhar, de casa, 4x por semana, seis horas por dia. Sem a ética do trabalho, é claro que não vai dar certo. O gestor bilionário só enxerga o seu próximo milhão. Ora, ora, mas todos nós não sabemos que a utilidade marginal é decrescente? A lógica do “decreasing marginal returns” (retornos marginais decrescentes) não vale também para o dinheiro? “Virtus in medium est”. Aristóteles estaria desempregado na Faria Lima.
10 – Research independente você faz por inteiro, com a sua alma, ou você não faz.