Em 16 de janeiro, escrevi neste mesmo espaço:
“Diante de um choque exógeno inesperado, muitos ativos caem de maneira igual, sem muita distinção. A diferenciação ocorre no pós-pânico. (…) Num primeiro momento, as coisas caminham muito em função do “beta”, ou seja, conforme a sensibilidade do ativo às condições sistêmicas, desconsiderando suas características idiossincráticas. O micro fica atrás do macro. Num segundo momento, entram as virtudes e os defeitos individuais.”
Embriagados com o (legítimo) temor sobre a política fiscal brasileira e vislumbrando uma possível crise de crédito, batemos numa cortina de fumaça capaz de dificultar a devida diferenciação entre as companhias. O diabo estará sempre nos detalhes. Uma pequena nuance pode representar símbolos e performances bem distintas. “Americanas” virou termo maculado, talvez para sempre – sinônimo de coisa ruim, fraude contábil e, ainda pior, medo de desdobramentos sistêmicos. Seu quase homônimo “Americanah” continua representando um deleite literário, rico em emoções e lições de vida.
O texto de janeiro alertava para o risco de nos perdermos em argumentos macro e incorrermos numa postura niilista de “não há o que se comprar na Bolsa brasileira.”
Passado cerca de um mês, a sugestão prospectiva ganha contornos concretos. O setor bancário talvez seja o exemplo mais contundente.
Enquanto Bradesco e Santander apresentaram resultados trimestrais assustadores, patinando em ROEs baixos, lutando contra inadimplência em alta, sofrendo no nicho de seguros e, para o caso do primeiro, com EBT negativo, Itaú deu um show. O “banco de engenheiro” mostrou que há vida além de Americanas. Calibrou bem o crescimento da carteira, sem grandes soluços no crédito, colheu frutos de sua modernização e maior digitalização e controle de custos e despesas. “Itaú sendo Itaú”. Hoje, negocia a 1,6x seu valor patrimonial e a 7x lucros. Pode não ser um espetáculo em termos de upside, mas compõe bem um portfólio num momento que requer capacidade de se defender dos juros altos, balanço forte, marca reconhecida e afins. Em momentos de crise, o dinheiro flui para os donos do capital. Cá estamos.
Hoje à noite, sai Banco do Brasil e também esperamos resultados bastante positivos. Problema aqui é se você topa ou não o risco de estatais federais – eu até encaro as estaduais, como Sabesp, mas vejo o risco de uma deterioração rápida dos lucros no caso do uso dessas empresas para se fazer política pública. Como ninguém sabe direito medir o risco disso, prefiro observar de fora. O barato sempre pode ficar ainda mais barato.
Amanhã sai Nubank e, considerando o nicho de atuação semelhante ao de Bradesco, a perspectiva não é muito auspiciosa. Ação do banco pegou carona na recente alta da Nasdaq. Turma até mistura joio e trigo, até que os resultados trimestrais mostrem quem é quem. Entendemos que o valuation de Nubank não condiz com sua realidade objetiva.
Ainda entre os bancos, acaba de sair os números trimestrais do BTG. Obviamente, estou conflitado no assunto. Mas, sob uma análise fria, você enxerga um ROE de 20,8% mesmo com o evento Americanas, acima do soft guidance de 20% e em nível muito saudável. O banco teria feito 22,1% de ROE sem o impacto extraordinário, o que é formidável e não muito alinhado aos patamares atuais de valuation, abaixo de 2x valor patrimonial. Diversificação importante de receitas e tese alinhada à visão de “all weather stock”. É evidente que sofre com menor atividade de ECM (emissão de ações), mas tem conseguido compensar isso com robustez de DCM (emissão de dívida) e M&A (fusões e aquisições). Asset management, consumer banking e carteira crédito crescendo em ritmo forte, enquanto sales & trading roda com receita superior a R$ 1 bi por trimestre. Ok, sales & trading comanda múltiplo mais baixo, porque é visto como não recorrente. Respeito o contraponto, mas vale dizer que este não-recorrente tem se repetido todo trimestre e, mais do que isso, vai dando fôlego até a janela de IPOs reabrir. Num ambiente de juros mais baixos e menor incerteza fiscal (quem sabe depois da reforma tributária e do novo arcabouço fiscal), poderia voltar a negociar mais perto de 3x valor patrimonial, algo próximo a R$ 33 por unit — é mais de 50% para subir.
Saindo dos bancos, outros exemplos relevantes:
- Varejo de moda: quem trabalha com muito crédito e tem exposição às faixas de renda mais baixa potencialmente enfrentará resultados bastante desafiadores. Renner é boa e barata, mas o Realize impõe risco não-desprezível. Marisa está em sérias dificuldades, já tendo contratado o BR Partners para reestruturar dívida (enquanto uns choram, outros vendem lenços). Guararapes também deve enfrentar resultados adversos. Enquanto isso, Arezzo, Track & Field e Vivara caminham para mais bons trimestres à frente.
- Locação de veículos: Localiza nada de braçada, enquanto Movida colhe os frutos nada doces de opções erradas feitas no passado, como excesso de alavancagem do controlador e renovação inadequada de frota. Resultados de Movida no dia 6 de março caminham para ser mais um reforço à tese de Localiza. Poucas vezes pudemos comprar uma empresa tão boa a preços tão atraentes.
- Incorporação de baixa renda: amanhã será relançado o programa Minha Casa, Minha Vida, que pode dar momentum ao setor. De novo, reforço a importância de separar o ativo bom do ativo ruim. Tenda está muito combalida e MRV se esforça para passar perspectivas otimistas em seu Investor Day, mas ainda temo o estouro de covenant neste ano – anunciar programa de recompra de ações diante de um risco assim me parece uma medida fora de propósito e desalinhada aos interesses de geração de valor a longo prazo para o acionista. Em contrapartida, Direcional e Cury seguem voando, numa diferença de performance frente às demais que só deve aumentar.
Olhando os resultados até agora, a máxima sugerida no início do ano para atravessar 2023 parece estar ainda mais apropriada: “numa guerra, os generais são os últimos a morrer.” Sem preconceitos, você encontra muita coisa boa na bolsa brasileira. Americanah é leitura recomendada, Americanas é pra passar longe.