O relato é hipotético, mas poderia se basear facilmente em fatos reais.
Um investidor profissional chama seu público interessado para explicar o racional da carteira diante dos fundamentos que se oferecem a 2024.
Das premissas consensuais de desinflação e queda da Selic, resultara uma realocação setorial bastante sensata ao final de 2023: reduzir exposição a commodities e aumentar apostas em cíclicos domésticos.
A tese de realocação parece feita para passar com dez na prova, mas a realidade é muito mais cruel do que os testes escolares.
Minutos depois, de forma quase descorrelacionada, ficamos sabendo que a redução de commodities do referido investidor se deu quase totalmente por meio de uma “zeragem tática” de PETR4 em dezembro último, depois da alta de +96% em 2023.
Engatando um momentum trade memorável, as preferenciais da estatal sobem +12% neste início de ano, enquanto a maioria dos cíclicos domésticos vem sofrendo com o repique no yield dos Treasuries.
Por mais diligentes que sejamos em nossa cuidadosa construção dos alicerces de uma carteira, não há planejamento macro que sobreviva a um soco micro na cara.
Isso significa que o racional estava errado?
Não inteiramente errado, pois 100% condizente com as melhores informações disponíveis até aquele momento passado.
A falha aí está naquilo que, dentro do vernáculo metodológico da Empiricus, chamamos de “falácia da troca de narrativa”.
Na esteira do que escrevem Robert Shiller em Narrative Economics e Damodaran em Narrative and Numbers, os movimentos de precificação de mercado estão cada vez mais sujeitos ao “arco narrativo” – nascimento, amadurecimento e morte de narrativas.
Contudo, temos que tomar cuidado com a interpretação desse processo literário.
Diferentes narrativas podem coexistir, e mesmo a alternância entre elas tende a ocorrer sob nuances graduais, ao invés de binárias.
Portanto, o risco está em vislumbrar os primeiros indícios de uma troca de narrativa, jump into conclusions, e (em termos práticos) dar um cavalo de pau na carteira.
Em vez disso, a melhor condução de uma estratégia contínua de investimentos costuma dar conta do tesão do novo, mas sem jogar fora o que era bom e está ficando velho.
Ironicamente, o mercado é neofílico (curioso para descobrir coisas novas) e, ao mesmo tempo, neofóbico (reticente com ideias que sejam excessivamente novas).
A impossível arte de investir está em transitar entre esses dois mundos.