Encerramos a pior semana (em termos de variação de preços) dos últimos cinco meses para o mercado de criptoativos.
Números à parte, a semana que passou pode ser considerada, na verdade, uma das mais negativas da história dessa classe de ativos, comparável ao caso Mt. Gox, de 2014.
A esta altura, mesmo que você não acompanhe com frequência o bitcoin e seus pares, duvido que não tenha ficado sabendo do colapso da FTX, que até semana passada era uma das maiores corretoras de cripto do mundo.
Em vez de ficar narrando aqui tudo o que aconteceu, te convido a ler, caso deseje, o relatório da última quinta-feira (10) que foi publicado na série Exponential Coins. Ele traz a visão completa do ocorrido, bem como seus desdobramentos possíveis e sugestões práticas de como se posicionar para o futuro.
Aproveitarei o espaço deste Day One para compartilhar minha visão sobre o que muda, e o que não, para o mercado de cripto a partir disso.
Primeiro, voltemos algumas casas.
O Bitcoin surgiu como uma alternativa a sistemas tradicionais de pagamento e moedas fiduciárias trazendo em seu âmago o conceito da descentralização. Nenhuma entidade é capaz de mudar sua política monetária, seu código ou suas propriedades.
Existe um debate ideológico sobre o que significa descentralização no contexto de cripto. Mas isso é uma discussão irrelevante para o momento. O principal fato é que o mercado cresceu com o uso da tecnologia do blockchain e a descentralização como temáticas centrais.
O caso FTX reforçou essa tese: o quanto a centralização e a falta de transparência podem ser prejudiciais nesse segmento. A corretora entrou em colapso após se descobrir que estava insolvente e uma onda massiva de saques (US$ 6 bilhões em 72 horas) de clientes forçar a plataforma a pausar todas suas operações e, posteriormente, entrar com um pedido de falência.
Uma operação concentrada nas decisões de um pequeno grupo de pessoas e a não transparência de seus balanços (também devido à falta de regulação apropriada) levaram ao golpe de misericórdia sofrido pela FTX.
Dados todos esses fatos e olhando para frente, o que podemos esperar do mercado e, principalmente, quais teses saem fortalecidas dele?
Em primeiro lugar, caso a pergunta esteja na sua cabeça: não, o evento não decreta o fim do mercado de cripto.
Apesar da gravidade do ocorrido e da inevitabilidade de algum grau de contágio para outros players relevantes, o evento tende a tirar de cena maus atores, privilegiando bons projetos no médio prazo.
Inclusive, quando comparamos o momento atual a outro muito semelhante, o bear market de 2018, vemos como temos, hoje, um mercado muito mais estruturado e resiliente. O Bitcoin e o Ethereum, por exemplo, estavam relativamente mais ameaçados naquele ano do que hoje e, ainda assim, encontraram seus caminhos para seguir crescendo.
Listo a seguir alguns pontos que resumem vinha visão:
- Teremos um avanço importante na frente regulatória: este ano trazia consigo a promessa de maior clareza da regulação nos EUA. A guerra na Ucrânia, a inflação e as demais questões político-econômicas deixaram o tema em segundo plano. Contudo, dados todos os acontecimentos no mercado de cripto em 2022, podemos esperar um 2023 agitado para os reguladores;
- Corretoras centralizadas passarão a ser mais transparentes: a reação imediata à insolvência da FTX foi um grupo de corretoras, liderado pela Binance, postando suas provas de reserva. É uma forma, ainda inicial, de dar transparência aos clientes de que a empresa possui ativos em custódia em quantidade suficiente para corresponder às posições de clientes;
- A tese do Bitcoin como protocolo/moeda descentralizada sai, de fato, fortalecida: apesar do impacto inevitável nos preços dos ativos, o Bitcoin não tem relação direta com o problema da FTX. Na verdade, sua operação descentralizada é o contraponto perfeito aos problemas de gestão da corretora. O protocolo está imune a decisões unilaterais que impactem sua saúde financeira;
- O Ethereum também ganha, com sua tese de ativo deflacionário: após o Merge, acontecido em setembro, o Ethereum passou a ter uma nova dinâmica econômica, com a redução da emissão de novos tokens ETH e uma taxa de queima (retirada de circulação) variável de acordo com o volume de uso da rede. Com o aumento do número de transações na última semana, a taxa de queima superou a de emissão, tornando o ETH uma ativo com perfil deflacionário. Ou seja, ele se torna progressivamente mais escasso, contribuindo para o aumento de seu valor intrínseco;
- O ambiente de DeFi deve crescer: no meio de todo esse caos dos últimos meses, os principais protocolos de finanças descentralizadas (DeFi) passaram praticamente ilesos. A Uniswap (UNI) é, na minha opinião, a principal representante desse movimento. Como uma exchange descentralizada (DEX), ela resume em si uma visão de governança diametralmente oposta à da FTX.
Valor total travado (laranja) e volume de negociação (azul) na Uniswap (Fonte: DefiLlama) |
Para encerrar, trago um gráfico que reforça o ponto 5. Quando olhamos para o valor total travado (TVL) na Uniswap, denominado em ETH, notamos um aumento de cerca de 14% em novembro (curva laranja no gráfico). Ao mesmo tempo, o volume (azul) de negociação praticamente renovou as máximas do ano, em US$ 6 bilhões.
Valor total travado (laranja) e volume de negociação (azul) na Uniswap (Fonte: DefiLlama)
Ainda há muita água para passar debaixo dessa ponte da FTX. Novos fatos ainda virão à tona e, certamente, teremos mais volatilidade pela frente. Entretanto, apesar do pouco tempo de vida do mercado, temos, hoje, um grau de maturidade das aplicações bem maior do que em ciclos anteriores.
Além disso, há mais ferramentas para buscar caminhos alternativos àqueles que não deram certo. Certamente teremos novos projetos sendo construídos ou aprimorados em cima das falhas de FTX e, creio eu, esses serão os principais ganhadores no próximo ciclo do mercado.