A provocação “então, você acha que desta vez é diferente?” é usual em conversas entre financistas quando se propõem ideias inovadoras ou alterações em padrões históricos. Ela soa como um atestado de inteligência de quem pergunta e de ingenuidade de seu interlocutor, como se a sugestão de distinção daquele momento revelasse falta de conhecimento histórico
Se você acha que desta vez é diferente, apenas não estudou o suficiente. Não haveria muito espaço para originalidade alguma. Os padrões se repetiriam ao longo do tempo, bem como os ciclos de mercado, a euforia e a depressão, as bolhas e seus subsequentes estouros.
A ideia acaba sintetizada no jargão “as quatro palavras mais perigosas do mercado financeiro são ‘desta vez é diferente’”.
Não sou propriamente simpático à expressão. Sob sua tutela, bloqueamos qualquer espaço para mudanças, inovações, superação de problemas históricos.
Mesmo um conservador entende que, em certos momentos, precisamos mudar, ainda que seja para permanecermos os mesmos ou evitarmos o pior. Edmund Burke era a favor da revolução americana.
A verdade é que, na maior parte do tempo, os padrões de fato se repetem, não têm nada muito extraordinário. Mas é igualmente verdade que há, sim, situações em que “desta vez é mesmo diferente”. Gente que estuda o assunto já identificou que a frase é válida para 20% do tempo.
No best-seller “Psicologia Financeira”, Morgan Housel brinca que “as 13 palavras mais perigosas do mercado financeiro são ‘as quatro palavras mais perigosas do mercado financeiro são ‘dessa vez é diferente’”.
Obviamente, ex-ante, é sempre difícil definir quando estamos diante de uma quebra de paradigma ou de uma simples repetição de um padrão histórico.
Depois do fato, ficará óbvio (só depois do fato). E todos aqueles que apontaram na outra direção serão percebidos como idiotas, embora houvesse bons argumentos para eles também.
Olhando para os ativos brasileiros hoje não há como precisar se teremos a continuidade do momento negativo por mais 18 meses ou se entraremos num ciclo mais positivo. Parece consensual, no entanto, um sentimento extremamente negativo sobre nossos mercados e valuations, numa perspectiva histórica, muito descontados.
O câmbio está quase 15% acima de seu valor justo e na sua máxima histórica, o juro real de longo prazo visita o patamar da era Dilma, e o Ibovespa negocia a 7x lucros.
Pesquisa de sentimento do banco BTG Pactual junto a investidores institucionais aponta um ânimo nas mínimas em vários anos. A alocação da indústria de fundos em ações toca valores históricos. A participação do Brasil nos índices de mercados emergentes também.
Estamos há mais de três anos sem IPO na B3, o que nunca aconteceu desde 2004. Todo o sell side aumenta a exposição a dólar e a utilities em suas sugestões.
Tente puxar uma conversa sobre compra de ações no Brasil na macarronada de domingo. Aposto uma boa doação para a Neo Química Arena que, em menos de 10 segundos, seu cunhado vai rir da sua cara, dizendo que a Bolsa brasileira está morta.
Ele está altamente concentrado em bitcoins e ações norte-americanas, vangloriando da sua sagacidade, enquanto destila argumentos em prol do excepcionalismo dos EUA. Sua pseudointeligência tenta convencer alguém na mesa do almoço de que se trata de uma visão particular e não-consensual.
Ninguém dá muita bola, claro. Exceção feita à esposa do sujeito, que, embora tenha sacado tudo, aproveita a deixa para, fingindo-se de ingênua, prontamente identificar um espaço para pedir sua tão desejada bolsa Birkin de Natal, acompanhada da riviera da Cartier, que ela chama de “lembrancinhas” para celebrar o bom ano.
Todos mataram a renda variável brasileira. Assim como já mataram a renda fixa nacional, o ouro, o bitcoin… Talvez ela morra mesmo desta vez. Não podemos subestimar o risco de histerese. Antes de o ciclo voltar, esticamos a corda a tal ponto que ela rompe.
Sem sinal fiscal mais contundente, com a narrativa idiota de que a “Faria Lima especula no dólar e nos juros”, o câmbio continua subindo, o Copom fica atrás da curva.
Ainda não estamos em dominância fiscal, mas, se não acordarmos, corremos o risco de logo chegarmos lá, embora o conceito seja mais fácil de expor do ponto de vista teórico do que de ser identificado empiricamente.
Estamos num daqueles clusters adversos de volatilidade de Mandelbrot. Os traders vão empurrando as cotações na direção negativa; sem comprador, os ativos seguem se deteriorando. Todos percebem a fraqueza e o movimento continua, num ciclo vicioso.
Visto de outra maneira, os modelos de alocação baseados em Value at Risk associam risco a volatilidade. O aumento do risco percebido cospe a necessidade de redirecionar as carteiras na direção da segurança. Novas vendas de ativos de risco são geradas. O modelo cospe nova alocação mais conservadora. A dinâmica perversa se repete.
No entanto, acreditar que as ações brasileiras estão condenadas ao fracasso ignora o caráter cíclico da economia e dos mercados locais. Seria análogo a dizer que desta vez é diferente. O Brasil contrariaria sua tendência histórica de reversão à média, de flertes com o precipício seguidos de uma arrumação da casa, tipicamente associada a alterações do pêndulo de economia política.
É possível, sim, que estejamos diante daqueles 20% das vezes em que, de fato, “desta vez é diferente”. Mas 80 ainda me parece maior do que 20.
Não se trata de uma postura do tipo “all in”. Há limites importantes a serem respeitados. Entre o “compre qualquer coisa” e o “evite a bolsa a qualquer custo”, a virtude costuma mesmo estar no meio. Algumas prescrições para atravessarmos a baixa do ciclo sem que percamos oportunidades reais de multiplicação patrimonial lá na frente, típicas de momentos de stress e risco de ruptura.
- Dilatação do horizonte temporal: há uma completa falta de confiança na política econômica brasileira no momento, bem como faltam triggers claros de curto prazo e não há comprador marginal relevante. Estão todos preocupados com o newsflow, sem muito vínculo a valuations e fundamentos de longo prazo. Aqueles que puderem se aproveitar desse descasamento podem surfar o que tenho chamado de arbitragem temporal. Todos estão sob a ideia de que “vai piorar antes de melhorar”. O ponto é que, diante disso, muitos já venderam. E fica a certeza (ou algo perto disso) da melhora na frente. De forma meio curta e grossa, se a política econômica não for arrumada, a oposição vai ganhar a próxima eleição. Teremos contratado um superciclo, que vai se iniciar, claro, antes de 2027. Note como, enquanto o sell side de grandes bancos recomenda cautela, a tesouraria desses mesmos bancos recompra suas ações. A rigor, os “insiders” (aqui no sentido construtivo) estão comprando. Há lote de recompras de ações e compras por diretores, enquanto a janela está totalmente fechada para IPOs.
- Cuidado com a alavancagem. Aqui o risco de histerese é mais alto. A primeira coisa necessária para um longo prazo lucrativo é que o longo prazo precisa existir. Se a empresa entrar em recuperação judicial ou tiver que fazer um aumento de capital com muita diluição, o valuation que parece descontado fica caro rapidinho. São poucas as empresas que conseguem gerar valor com um custo de capital superior a 15%.
- Atenção à liquidez. Um dos erros clássicos ao se fazer conta de valor justo é negligenciar o risco de liquidez. É natural. O exercício de valuation é, por definição, teórico — por isso, muitos chamam o preço-alvo de valor justo teórico. Ocorre que você não come nem lucra com preço teórico. Se o preço teórico é R$ 20 e a ação não tem liquidez, dificilmente você vai conseguir sair a R$ 20 depois. Se o mercado está ilíquido e sem comprador, o desconto aumenta. Em paralelo, a primeira pernada tipicamente acontece nos mercados mais líquidos e considerados mais eficientes. É a aplicação do overshooting de Rudi Dornbusch, inicialmente para o câmbio, para qualquer situação em que há dois mercados com velocidades de ajustamento diferentes.
- Inflação é ponto de atenção. Embora a mediana do relatório Focus aponte uma inflação oficial de 4,59% para 2025, quase todo mundo está revisando seus números para cima. Já há gente boa sugerindo algo mais perto de 6%. Em tese, isso deveria ser pior para a renda fixa do que para as ações, que são ativos reais (pedaços de empresas). Contudo, não é todo mundo que tem pricing power (poder de remarcar preços para endereçar pressões de custo). Com efeito, muitos orçamentos corporativos para 2025 foram feitos antes do stress financeiro causado pelo pacote fiscal e da disparada do câmbio. Para quem não tem poder de preço, os lucros podem ser bem menores do que o estimado. Parece fazer sentido focar nos tais generais, com marca, balanço forte e poder de mercado.
Respeitadas as condições, ao ver o juro real longo brasileiro acima de 7% e uma série desses generais negociando a 8x lucros, faz sentido enfrentar a manada, dilatar o horizonte temporal e expor-se a um provável superciclo brasileiro ali na frente.
As bicadas diárias do pássaro no fígado de Prometeu desafiam a resiliência. A vontade é correr para o conforto do CDI, comprar a esticada Bolsa norte-americana e expor-se a cripto com alavancagem. A história real, no entanto, não é tanto afeita aos mitos.
A sabedoria de Buffett é mais pragmática, convidativa e lucrativa: compre ao som dos canhões, venda ao som dos violinos. Todos adoram repetir o clichê. Poucos o executam na prática.