“Um plano de carreira de dez anos é um erro.
Um plano fixo pode fechar sua mente para novas possibilidades.
Você não sabe como o mundo pode mudar.
Você também não sabe como você vai mudar.
Você pode sonhar dez anos à frente,
mas é melhor focar seu plano em um ou dois anos futuros.”
Adam Grant
“Se você não está chocado com seus pensamentos de dez anos atrás,
você não está crescendo.”
David Sinclair
A conversa abaixo aconteceu de fato e é narrada aqui de maneira fidedigna. Talvez me faltem os exatos termos usados na circunstância, por fraqueza de memória. A essência do argumento, porém, está devidamente preservada.
Estava diante de um dos grandes nomes de VC e private equity com atuação no Brasil. Fazia parte da extensa rodada de reuniões promovidas pelo Lazard, nosso advisor contratado para atração de capital para a Universa, holding criada para abarcar a Empiricus e a Vitreo. Era um dia supostamente importante, pois aquele era, ao menos de acordo com o conhecimento mais geral, um dos potenciais favoritos ao negócio (embora não fosse propriamente a minha visão pessoal).
A certa altura, o gênio interlocutor pergunta:
“Felipe, como você vê a Empiricus daqui a dez anos?”
“Assumindo um Total Addressable Market de 20 milhões de pessoas, como temos vantagens competitivas muito claras, dado nosso elevado LTV/CAC e as opcionalidades de atuarmos como banking as a service e software as a service, estimo que podemos capturar boa parte do mercado. A partir de técnicas avançadas de data mining, machine learning, inteligência artificial e cloud computing, podemos maximizar a experiência do usuário consolidando a operação num super app orientado sob a ótica de comunidade, que sintetiza as operações de finanças pessoais, investimentos, crédito e consumo do cliente, num modelo low touch, guiado por robo advisors construídos a partir de inputs de nosso time de research e wealth management, transitando, com low cost, pelos ambientes local, internacional e cripto sem qualquer tipo de fricção. Isso nos colocaria como a Robinhood do mercado brasileiro, mas com produtos mais alinhados ao interesse dos clientes, menos centrados em trading e, portanto, com uma vida útil do cliente maior. Dito isso, seria conservador estimar a captura de 25% do mercado. Ou seja, 5 milhões de clientes. Então, partiríamos para uma expansão internacional, começando pela América Latina. Os EUA também já estão mapeados, em especial o público latino. E, então, poderíamos falar de 15 milhões de clientes. Estamos falando de uma multiplicação da ordem de 150 vezes se considerarmos que a Vitreo dispõe hoje de 100 mil clientes.”
Claro que não foi assim. Essa é a resposta que, imagino, ele gostaria de ter ouvido. Mas a verdade é que eu não consigo. Sou um péssimo mentiroso e até hoje me surpreendo com a capacidade de as pessoas venderem sonhos inalcançáveis sem o menor constrangimento. Respondi da única forma possível:
“Eu não faço a menor ideia do que seremos daqui a dez anos. Estaríamos nos enganando duplamente se, de fato, entrássemos nesse exercício. Posso dizer o que pretendo fazer nos próximos três anos. A partir daí, as opcionalidades seriam exploradas conforme tentativa e erro. Mesmo esse ousado plano para os próximos três anos, provavelmente, já será diferente na prática. Imagina se forçássemos a extensão do horizonte temporal. Caminha, e o caminho se abre.”
Cada crise tem suas particularidades. Elas são parte inerente dos mercados e do capitalismo como um todo. Ciclos de expansão e queda, boom and bust, sístole e diástole, mania e depressão. Elas vêm e vão. Mas sempre deixam alguma lição. Por mais que passem, deixam cicatrizes e mazelas estruturais em determinados nichos, como se certos processos passassem por histerese. Enquanto algumas coisas funcionam como uma mola, que se comprime e depois volta rapidamente, outras se quebram no processo e não retornam mais.
A tempestade atual não é muito diferente. Entendo que, cedo ou tarde, ficará claro que não abandonaremos por completo a responsabilidade fiscal e, sob a ótica sistêmica, encontraremos um alívio para os ativos domésticos. E como resumiu Guilherme Aché na ótima carta da Squadra, talvez as eleições, para contrariar o senso comum, sejam mais calmas do que o usual, dada a necessidade de todos caminharem ao centro.
Mas há um nicho específico em que talvez haja uma mudança estrutural: os IPOs de empresas supostamente tech, que queimaram etapas e pularam rodadas que tipicamente são feitas com VCs e private equities. Foi desenhado um discurso bonito sob a reunião de termos técnicos elegantes para vender sonhos inexequíveis.
Esclareço: não se trata de empresas com alto potencial de crescimento negociando a múltiplos altos. É muito pior do que isso. São empresas que venderam promessas que sabemos que não serão cumpridas, mentindo já sobre o real mercado endereçável e também sobre a penetração que teriam em cima desse falso mercado endereçável. Ou são empresas sem nenhuma capacidade de execução realmente demonstrada, que viveram dois ou três trimestres de rápido crescimento (e pouca monetização efetiva) e extrapolaram para um futuro distante essa expansão vigorosa sob bases ínfimas e frágeis.
Virou tudo uma grande farsa.
O empreendedor, seja por acreditar na própria mentira, por ser um sonhador ou por deliberada capacidade de enganar (não importa em termos práticos), quer vender ações ao máximo preço possível.
O banco de investimentos, por vezes, também é comissionado conforme o valuation da companhia vendida. Quanto mais caro, mais fee. Ou seja, o incentivo é grande para posicionar gato como lebre.
E os gestores, principalmente multimercados, ficaram muito grandes. Quatro cheques de R$ 100 milhões viabilizam um IPO. O sujeito tem amizade com o empreendedor e, pra ele, só para ficar próximo da turma de fintech, se inserir nesse meio e não ficar mal com o amigo, colocar uma ordem de algumas dezenas de milhões de reais no book não vai fazer grande diferença, dado que seu fundo tem um PL multibilionário. Ou, então, rola uma chantagem explícita ou tácita do banco de investimentos. Se você quer levar um lote grande dos IPOs quentes ou fazer outros negócios com o banco, me ajude aqui com a operação desta miquimba. Assim, gestores acabam muitas vezes com ações ruins e que muitas vezes nem eles mesmo queriam, vomitando todas elas ao primeiro sinal de estresse.
Muitas ações caem 20%, 30%, 40%, até 50% em poucos dias. Há um mau humor geral e coisa boa cai junto com coisa ruim. Vende primeiro, entende depois. Quem vai ficar na frente desse trem?
A verdade é filha do tempo. Ficou um pouco mais difícil mentir sobre as “fake techs” nos IPOs. A parte triste da história é que sempre fica gente machucada pelo caminho. Mas não é assim mesmo a natureza? O problema de acreditar em sonho é que ele não paga dividendos.