Há três fases comuns em um bear market. A primeira delas é o chamado “de-rating”. A segunda se refere a uma queda dos lucros. E a terceira é a capitulação.
Um ciclo de mercado normalmente está associado a um ciclo econômico, que, por sua vez, costuma se associar às diretrizes de política monetária. O Banco Central sobe os juros. A renda fixa passa a pagar mais. Logo, para não haver arbitragem e diante de mercados minimamente eficientes, as ações também precisarão pagar mais. Para que os mercados estejam em equilíbrio, o dinheiro investido em renda variável também vai precisar voltar mais rápido, pois o custo de oportunidade do capital se elevou. Para o mesmo lucro por ação, portanto, o investidor precisará pagar menos. Os múltiplos (Preço sobre Lucro, por exemplo) caem. Esse é o de-rating.
Os fluxos de capital se ajustam mais rápido do que o mercado de bens. Num segundo momento, a elevação dos juros pelo Banco Central bate na economia. Os investimentos caem, o consumo a prazo também. A desaceleração da demanda agregada significa menores lucros corporativos. Se os lucros caem e as empresas vão mal, as ações tendem a seguir…
Então, chegamos à terceira fase da tendência de baixa, tipicamente chamada de capitulação. Nas mesas de operações, recebem uma alcunha mais elegante, em francês, resumida no acrônimo: “ZEM” ou “zera essa merda”. Quando a dor já é muito grande ou os sistemas de gerenciamento de risco obrigam à desmontagem de posições. É aí que algumas coisas fogem ao fundamento estrito e ficam excessivamente baratas.
Há alguns sinais de que podemos ter encontrado a fase da capitulação na última quinta-feira. O Ibovespa veio ali para seus 97 mil pontos – se retirarmos a performance de Vale e de todo setor de siderurgia e mineração desde a eleição presidencial, estamos beirando os 100 mil pontos. A comparação com o CDI, a poupança ou a inflação desde 2020 (e lá se vão três anos) é covarde – o índice marcava 120 mil pontos em janeiro daquele ano.
A intensidade da pressão vendedora chama atenção. Várias ações caíram 5%, 7%, até 10% sem uma mudança muito significativa em seus fundamentos. Como catálise (ou falácia da narrativa), tivemos a reunião do Copom na véspera, quando o comitê de política monetária adotou tom duro e afastou cortes iminentes na taxa Selic. Ocorre que, segundo a imprensa, Roberto Campos Neto teria ligado já na quinta-feira para o ministro Haddad para se explicar e não explodir pontes. Na sexta-feira, o susto do Deutsche Bank já trouxe de volta uma probabilidade de 20% para corte da Selic em maio. Amanhã temos a ata da última reunião do Copom, quando talvez as coisas se expliquem melhor. Fato é que temos mais de um mês até a próxima reunião de política monetária, o que significa uma eternidade, dada a velocidade dos acontecimentos e o tanto de cisnes pretos e cinzas por aí. “Muito cisne para pouco lago”, nas palavras de um grande banqueiro.
Outro ângulo possível para observação se apoia na ideia de que os fundamentos podem melhorar à frente ou, ao menos, parar de piorar, o que, dado o nível de preços, poderia já ser suficiente, com o Ibovespa em 6x lucros, nível comparado somente a outras situações de ruptura e, talvez ainda mais surpreendente, se mantendo num range de valuation muito barato por muito tempo. No curto prazo, os preços se movem, na margem, muito mais por conta do fluxo de notícias do que propriamente por valuation. Por mais barato que um ativo esteja, uma notícia ruim inesperada tende a empurrá-lo mais para baixo. Conforme o tempo passa e novas informações são incorporadas ao preço, seu valor intrínseco vai sendo percebido pela redução da assimetria informacional. O barato pode ficar ainda mais barato antes de ficar caro.
Arthur Lira parece ter demarcado uma linha no chão. Ainda que, merecidamente, possa ser criticado por descumprir importantes ritos institucionais (vale ler o editorial de hoje no Estadão) e ter motivações pessoais em sua disputa com Rodrigo Pacheco e Renan Calheiros, emite sinais de estar empenhado em impedir uma regra fiscal muito frouxa. De acordo com a imprensa, teria se aliado a Haddad em prol de um arcabouço fiscal rigoroso e crível. Voltamos àquela máxima do final do primeiro turno das eleições, quando a composição do Congresso, mais à direita e conservadora, foi vista como garantia contra rompantes heterodoxos exagerados. Se este pobre redator escrevera há poucos dias estar preocupado com o fato de Haddad representar uma espécie de “exército de um homem só”, único interessado em responsabilidade fiscal num governo de perdulários, agora esse mesmo sujeito precisa reconhecer o relevante apoio.
E chegamos a outro ponto por “serendipity” – perdoe o anglicismo, não encontro tradução razoável. Há malas que vêm de trem. Sem a viagem para a China, Lula e Haddad ficam no Brasil. A paz com Rui Costa teria sido selada na quinta-feira. O caminho está aberto para a apresentação (finalmente!) do novo arcabouço fiscal. Há uma chance real de retirarmos boa parte da incerteza e recuperarmos algum tipo de âncora, perdida desde os vários puxadinhos feitos no teto de gastos. Feita a regra fiscal, com a melhora dos núcleos da inflação (conforme demonstrado pelo IPCA na sexta) e com o Fed possivelmente parando de subir sua taxa básica de juros em maio, poderíamos abrir caminho para uma discussão técnica em prol da revisão das metas de inflação. Se o cenário muda, eu mudo…. E você? As condições estariam postas para redução da taxa Selic. Finalmente, teríamos encerrado o ciclo de aperto monetário para iniciar outro de afrouxamento. Volte ao parágrafo original para tentar dimensionar os efeitos que isso poderia ter.
Segundo se especula, a viagem à China seria remarcada para maio, quando Lula participa de reunião do G-7 no Japão. Aproveitaria a proximidade geográfica pra esticar o passeio. No Japão, talvez pudesse também se dispor a aprender o conceito de “Itadakimasu”, expressão adotada em agradecimento à comida servida, mas feito de forma ampla, a todos os fornecedores, a quem plantou o arroz, ao clima que permitiu sua colheita, por aí vai.
Lula foi eleito por uma Frente Ampla e para representá-la. Parece ter se esquecido disso em seus primeiros três meses de governo. Arthur Lira foi lá para lembrá-lo. Lula acolhe Lira ou perde o Congresso. As lembranças de Eduardo Cunha não são propriamente agradáveis ao PT. Deu no que deu. Uma coisa parece clara: não teremos quatro anos de sofrimento. O país não aguenta. Voltamos ao ditado clássico: mais vale um fim terrível do que um terror sem fim.