De ontem para hoje, a espirituosa provocação atribuída a Pedro Malan virou quase um clichê: no Brasil, até o passado é incerto.
A questão mais curiosa aqui talvez seja outra: se o passado é instável, o futuro é bastante conhecido. Não se preocupe: o Brasil não tem a menor chance de dar certo.
Testamos os limites do nosso cercadinho. Deslocamos a distribuição de probabilidades para a esquerda.
Segundo boletim da imprensa ainda não confirmado, Macunaíma testou positivo para Covid-19. Dada sua idade avançada e suas comorbidades, a notícia gerou bastante preocupação. Até agora, porém, nosso herói duplamente preguiçoso está assintomático. Ele teria dado declarações garantindo que continuará por aí, fazendo com que continuemos com nossa vocação complacente, medíocre, instável e, claro, convivendo com uma rica fauna de cisnes de coloração surpreendente até mesmo para os ornitólogos mais experientes.
A decisão do ministro Edson Fachin, cuja implicação é tornar elegível o ex-presidente Lula, trouxe instabilidade adicional aos mercados. Em síntese, são duas consequências imediatas.
A primeira se refere à percepção de maior insegurança jurídica. O investidor gosta de retorno e não gosta de risco. Portanto, penaliza os ativos brasileiros. No mais do que clássico “Por que as nações fracassam”, entre vários outros trabalhos na área, Daron Acemoglu e James Robinson demonstraram a importância de instituições sólidas e segurança jurídica para o desenvolvimento econômico. Aqui, preferimos o personalismo e o paternalismo à solidez das instituições. Celebramos assim a condenação ao subdesenvolvimento, com o populismo típico de “pai dos pobres” alternando as matizes de direita e de esquerda.
A segunda trata do temor de descontrole de nossa trajetória fiscal. Seja porque a potencial candidatura do ex-presidente Lula aumenta as chances de vitória presidencial da esquerda, sob perspectiva de adoção de alguma “Nova Matriz Econômica”, que ficou velha rápido, em sua versão 2.0. Seja por conta da possível antecipação do cenário eleitoral. E, em ano eleitoral, fica mais difícil caminhar com a agenda de medidas tidas como amargas. Supostamente, o ajuste fiscal estaria em risco e o presidente Jair Bolsonaro poderia abrir a caixa de bondades, que, como os adultos sabem, na verdade causam uma série de consequências indesejadas. O descuido fiscal agora se traduz em dólar para cima, inflação para cima e juros para cima. Preços e desemprego nas alturas. Quem paga a conta das supostas benesses? O pobre, claro.
Precisamos ter cuidado com interpretações súbitas, em especial se contaminadas pelas paixões avassaladoras da política. “Vende primeiro, entende depois.” Sem entendimento, há o risco de se fazer bobagem. A cólera não é uma boa conselheira financeira.
Um apontamento necessário é que a notícia da elegibilidade do presidente Lula veio em um dia de maior aversão ao risco. A disparada dos yields dos Treasuries de dez anos já pesava sobre os mercados emergentes e, em especial, sobre as ações ligadas a crescimento, com destaque negativo para o nicho de tecnologia. Em paralelo, já havia desconforto com a escalada da pandemia localmente, com penalização sobre o “kit aglomeração” — educacionais, aéreas, turismo, shoppings e varejo de moda. Por fim, o presidente Bolsonaro deu sua dose particular de contribuição ao clima ruim nos mercados ao trabalhar pela retirada dos policiais militares dos gatilhos para congelamento dos salários no âmbito da PEC Emergencial.
Aqui, analisamos sempre sob a ótica técnica e sem paixões e intempestividades. Para isso, conversei ontem longamente com Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, que considero a melhor casa de análise política do Brasil. A íntegra do papo está disponível em meu Instagram.
Como vi uma série de interpretações equivocadas, exageradas e apaixonadas sobre o tema, resolvi trazer aqui os pontos principais. O tema é importante e tem consequências significativas para a combinação de risco e retorno dos ativos brasileiros à frente.
Começo do elementar. Cabe recurso à decisão monocrática do ministro Edson Fachin. Se o julgamento vier a acontecer na Segunda Turma do STF, o que seria mais provável em casos como esse, então há, com alguma folga, vantagem esperada para o ex-presidente Lula. Dadas a relevância e a repercussão do tema, porém, existe também a chance de que o caso seja julgado no plenário do STF. Aí o jogo fica mais incerto e imprevisível, embora, segundo Lucas, ainda com uma marginal vantagem esperada para julgamento favorável ao ex-presidente Lula.
A consequência instantânea da decisão de ontem é um enfraquecimento do centro político e a intensificação da polarização.
Quais as consequências práticas disso? O mercado teme um eventual encaminhamento do governo na direção de mais populismo. Lucas discorda. Entende que a elegibilidade do presidente Lula, ao menos neste momento, não altera o cronograma de reformas e a pauta do governo. Para ele, o governo, com suas dificuldades e olho na popularidade, é mais liberal do que o mercado supõe. E mesmo aos trancos e barrancos, deve aprovar mais medidas de ajuste fiscal e liberais do que o mercado supõe. Haveria mais ruído do que sinal nesse ponto.
A Arko está construtiva com a reforma administrativa, com a Lei do Gás, com outras questões microeconômicas pontuais capazes de melhorar o ambiente de negócios e com a privatização da Eletrobras (embora com mais incerteza sobre essa última). A tributária é mais difícil.
Sobre as eleições presidenciais, claro que precisaremos monitorar o cenário até 2022 e muita coisa acontece até lá. Mas, se a eleição fosse hoje, a leitura de Lucas de Aragão sugeriria ligeira vantagem de Jair Bolsonaro sobre Lula.
No fim das contas, o Brasil segue à sua maneira. Macunaíma, além de duplamente preguiçoso, parece possuir várias vidas. Resiste à Covid apesar da idade. Somente reduzimos um pouco o teto do cercadinho e abaixamos um pouco seu piso.
Duas lições, porém, precisam ficar com o investidor. Tome o dia de ontem como um exemplo material da necessidade de diversificação entre geografias e entre moedas de seus investimentos. Tenha sempre proteção nas carteiras. O ideal seria aprender por bem, mas, se precisar, aprenda por mal, the hard way.
A outra lição é sobre persistência. Meu pai sempre insistiu: Bolsa tem todo dia. Ou, como os romanos: há dias fastos e dias nefastos. Ou, ainda, lembrando Phil Knight em suas corridas: quando estiver cansado, apenas não pare. Continue correndo, sem pensar. Tenha seu plano, consistente, diversificado, com clareza, com empresas boas, compradas a bons preços. Persista nos dias ruins. Vai haver desvios momentâneos e circunstanciais na rota. Continue firme, sem abandonar o barco. Keep walking.
No momento em que encerro este Day One, o Nasdaq Futuro sobe 2,20%. O yield do Treasury de dez anos cai 7 pontos-base. Termino com a sabedoria do Ramirão: com Bolsa pra cima, o Brasil é feliz.
P.S.: Dado o momento mais do que determinante, estamos abrindo uma promoção relâmpago para a assinatura do material da Arko com 30% de desconto.
Day One
Macunaíma pegou Covid, mas passa bem, está assintomático
De ontem para hoje, a espirituosa provocação atribuída a Pedro Malan virou quase um clichê: no Brasil, até o passado é incerto.
Sobre o autor
Felipe Miranda