Day One

Manifesto das sete classes e além

Em 1911, quando o audiovisual ainda era um adolescente francês, o teórico de cinema italiano Ricciotto Canudo publicou seu manifesto “O nascimento da sexta arte”, propondo o cinema como o mais novo integrante das cinco artes clássicas definidas pelo filósofo alemão Hegel: música, pintura, escultura, arquitetura e literatura.

Por Bruno Mérola

05 fev 2021, 01:18

Em 1911, quando o audiovisual ainda era um adolescente francês, o teórico de cinema italiano Ricciotto Canudo publicou seu manifesto “O nascimento da sexta arte”, propondo o cinema como o mais novo integrante das cinco artes clássicas definidas pelo filósofo alemão Hegel: música, pintura, escultura, arquitetura e literatura.

Anos mais tarde, revendo suas próprias ideias, Canudo publicou o “Manifesto das sete artes”, incluindo a dança no grupo e levando o cinema para o fim da fila, ganhando a alcunha mais famosa de Sétima Arte.

O motivo da troca de posições era simples: o cinema era considerado a combinação da ciência com as outras seis artes que o precederam.

Da música, surgiram os efeitos sonoros e a trilha; da pintura, escultura e arquitetura, a cenografia e o design de produção; da literatura, os roteiros; da dança, as artes cênicas e a interpretação teatral.

Sons, movimentos, cores, formas, espaços e palavras. Hoje, é difícil imaginar o cinema sem qualquer um desses seis elementos.

Alocação de investimentos também combina ciência e arte, acompanhadas de muita sorte, é claro.

Por pertencer a um campo em que descobertas “científicas” podem te deixar milionário da noite para o dia, como uma oportunidade de arbitragem ou um novo jeito de precificar ativos, a produção acadêmica sobre finanças é vasta. Desde a fronteira eficiente de Markowitz nos anos 1950 até estudos mais recentes sobre a geração de alfa em carteiras de ações orientadas por fatores ESG, há uma multidão de gente inteligente por aí em busca do Santo Graal nos investimentos.

Mas também há o lado artístico. Por mais que eu admire a gestão sistemática e a velocidade de modelos matemáticos, é inegável que há alguns gestores brilhantes e experientes nessa indústria — e é difícil dizer qual das duas qualidades causam seus bons resultados.

Nesta semana, por exemplo, em que o fundo Verde reabre para reservas, um assinante me perguntou, ao vivo, quanto do resultado acumulado de mais de 18.000% do Verde veio do brilhantismo de Luis Stuhlberger.

Desculpe, simplesmente não há como saber — e muito menos como separar ciência de arte e sorte. Caso fosse possível fazê-lo com precisão, aliás, não passaria a ser tudo ciência imediatamente, como propõem os fundos sistemáticos?

Há aqui uma ponderação justa: quanto mais ineficiente e sujeito a riscos idiossincráticos um mercado, como os político-fiscais brasileiros, mais são valorizados o conhecimento tácito e a experiência acumulada no longo prazo.

Luis Stuhlberger, André Jakurski e Rogério Xavier não passarão a compor, juntos, as três maiores posições da principal carteira de fundos da série Os Melhores Fundos de Investimento à toa. São décadas de eventos de cauda (aquela cauda à brasileira, menos fina do que o livro-texto propõe), tomadas de decisão sob o ângulo da incerteza e todo tipo de sorte e revés para moldar carreiras inquestionáveis.

Tanto o gestor de multimercado como o alocador de recursos, e, no limite, você, investidor pessoa física, equivalem à sétima arte do manifesto de Canudo. Se não há tantas restrições, a alocação da sua carteira é um grande conjunto das seis classes de ativos básicos no Brasil.

Em pós-fixados, não há mistério, é onde fica sua reserva de emergência, em um fundo DI com taxa zero, sem risco de crédito ou de mercado.

Os prefixados têm um papel praticamente unidirecional para a pessoa física: ganham dinheiro quando os juros caem mais ou sobem menos do que as expectativas de mercado — especialmente os de curto prazo, mais ligados às decisões de política monetária.

Já os títulos indexados à inflação têm duas funções importantes. De um lado, protegem seu dinheiro contra altas dos preços (e daí a recomendação de sempre ter um pouco na carteira); de outro, podem ser bons instrumentos para ganhar dinheiro quando o risco-país se altera, especialmente os de maior vencimento.

Nossa quarta classe não é unânime. Há quem diga que crédito privado deve fazer parte de uma das três acima, afinal quando se empresta dinheiro para uma empresa, a remuneração pode ser pós-fixada, prefixada ou indexada à inflação.

Prefiro, porém, separar o risco de crédito em uma carteira por dois motivos: pela sua natureza côncava, em que se ganha sempre um pouco e pode-se perder muito de uma só vez, e pela especialização dos gestores nessa classe, treinados para analisar balanços de empresas com uma ótica diferente dos analistas de ações ou traders de juros.

Na sequência, vem a mais artística das classes. Sujeitas ao escrutínio das interpretações de demonstrações financeiras e a “plot twists” em governança corporativa, as ações têm natureza oposta à do crédito privado. No lugar de credor, sócio. Em vez de pequenos ganhos frequentes, as ações podem multiplicar seu capital várias vezes, além do pagamento de dividendos.

Por fim, os fundos imobiliários. Solução mais acessível e eficiente para o investidor brasileiro realizar seu desejo da casa própria (ou da laje e galpão próprios), essa classe costuma ter baixa correlação com as anteriores e ainda paga rendimentos isentos na sua conta.

Segurança, títulos públicos, proteção contra a inflação, prêmio por risco de crédito, participação em empresas e exposição ao mercado imobiliário. Hoje, é difícil imaginar uma carteira completa sem qualquer um desses seis elementos.

Há espaço, claro, para propostas inovadoras. Filmes como “Dogville”, de Lars von Trier, que retira todos os elementos de cenografia e design de produção; “O Artista”, de Michel Hazanavicius, que homenageia o cinema mudo pra valer; e “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, dando mais destaque ao som do que a qualquer outra coisa, são propostas fora da caixa, que dificilmente servem a todos.

Da mesma maneira, um investidor prudente não deveria negligenciar, no longo prazo, qualquer uma das sete principais classes de ativos — incluindo os multimercados.

Porém, o fato menos conhecido é que, um século depois do manifesto de Canudo, já são 11 o total oficial de artes, com a fotografia, a história em quadrinhos, os videogames e a computação gráfica tendo entrado para o grupo.

Analogamente, também não devemos nos limitar mais às sete classes de ativos brasileiros mais clássicas. Nos últimos anos, temos reforçado a importância de o investidor brasileiro sair do tradicional e aumentar sua exposição a moedas como o dólar, a commodities como o ouro e a prata, a investimentos internacionais de maneira geral e, mais recentemente, a investimentos alternativos como private equity e venture capital.

Na série, Os Melhores Fundos de Investimento, o desafio daqui para a frente é encontrar os novos artistas, gestores de fundos brilhantes e experientes em cada uma dessas novidades.

No lugar de um Oscar, mais dinheiro no seu bolso. Melhor, não?

Sobre o autor

Bruno Mérola

Desde 2019, lidera a série Melhores Fundos, selecionando os melhores fundos de investimento no Brasil e no mundo. Anteriormente, atuou por cinco anos no Itaú, recomendando investimentos para clientes Ultra-High-Net-Worth (UHNW) com patrimônio acima de R$ 50 milhões. Engenheiro de Produção pela UFRJ, é CFA Charterholder e possui a certificação FRM, além de CIPM, CFP® e CNPI.

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