Day One

Mentindo sem o saber

No entardecer do século 19, já estava claro para Sigmund Freud que a hipnose produzia efeitos formidáveis no alívio de sintomas crônicos, falseando a hipótese de pacientes exclusivamente vitimados por um sistema nervoso disfuncional.

Por Rodolfo Amstalden

22 jul 2021, 10:25

No entardecer do século 19, já estava claro para Sigmund Freud que a hipnose produzia efeitos formidáveis no alívio de sintomas crônicos, falseando a hipótese de pacientes exclusivamente vitimados por um sistema nervoso disfuncional.

A explicação 100% fisiológica caía por terra, já que o transe da hipnose nada poderia fazer para remediar sinapses fisicamente rompidas ou neurônios quimicamente famintos. Por outro lado, poderia exercer influência sobre questões genuinamente psicológicas.

Ao mesmo tempo que Freud se entusiasmava com suas primeiras descobertas nesse sentido, sentia como se estivesse apenas tateando a superfície de algo bem mais profundo.

Seu próximo passo seria o de aprimorar a aplicação da hipnose, atravessando a barreira dos sintomas de modo a alcançar a complexa zona das causas subjacentes.

“Todos nós podemos agir segundo motivos ocultos ou inconscientes, diferentes

daqueles que temos em mente e nos quais podemos acreditar. E como esses

verdadeiros motivos são ocultos e desconhecidos, podemos estar mentindo sem o

saber.”

Devidamente hipnotizados, temos, uma vez mais, a chance de alcançar aquelas razões secularmente enterradas pela Razão. Liberdade reconquistada, voltamos a falar a verdade para nós mesmos.

E o mercado, tem dito a verdade?

No estado atual das coisas, convidado a se deitar no divã, o mercado explica detalhadamente que está transtornado com a volta da inflação global, com a variante delta, que não vai conseguir tolerar uma nova frustração com os cronogramas de reabertura.

É uma caracterização legítima, sem dúvidas. Mas insuficiente para satisfazer os ouvidos calejados do Doutor Freud.

Depois de alguma resistência, o mercado finalmente aceita ser induzido ao transe hipnótico, com vistas a trazer à tona seus motivos ocultos.

Nesta manhã de 22 de julho, estamos justamente no momento em que os olhos se encontram fixados no movimento pendular, a consciência vai perdendo o sentido, e tudo fica um pouco mais escuro antes da iminência de outro tipo de luz.

Em breve, talvez chegue aos ouvidos de Freud a revelação, e então alguém saberá a verdadeira causa por trás das angústias financeiras que tanto deprimem este mês de julho. 

Ainda assim, porém, a privacidade esperada do psicanalista em relação aos seus pacientes impediria que tal revelação se tornasse pública.

Eu não saberia de nada, e nem você. E a verdade é que mesmo Freud não saberia de nada, pois Freud está morto.

Já o mercado foi atropelado por um trem, mas passa bem.

Sobre o autor

Rodolfo Amstalden

Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.