Caro leitor,
O tema da inflação tem estado bastante presente no noticiário econômico nos últimos meses.
Após anos e anos enfrentando dificuldades para trazer a inflação para a meta estabelecida pelo banco central americano (de 2%), as leituras recentes têm indicado que a inflação no país está nos maiores patamares em décadas.
Ontem (12), por exemplo, tivemos a divulgação do CPI — o “primo” americano do nosso IPCA — de março na terra do Tio Sam. O aumento de preços em 12 meses atingiu a marca de 8,5%, o maior ritmo desde dezembro de 1981 e superior aos 7,9% medidos em fevereiro. No mês, o indicador ficou em 1,2%, ante 0,8% no mês anterior.
Uma grande parcela desse aumento está ligada à guerra entre Rússia e Ucrânia, que fez com que os preços de diversas commodities (principalmente as energéticas) atingissem níveis vistos somente no começo da década passada.
Na comparação com fevereiro, os gastos com energia aumentaram 11% (+32% em relação ao mesmo período do ano passado). O preço da gasolina teve alta de 18,3% no mês (48% no ano), maior variação desde 2009. Não à toa, a categoria foi responsável por praticamente 70% da inflação de 8,5% observada em março.
Já os preços dos alimentos contribuíram com mais 10% desse aumento, tornando a vida das famílias de menor renda ainda mais difícil. Se os custos de vida crescem em um ritmo mais acelerado que os ganhos salariais, a parcela do consumo com esses itens fica cada vez maior.
Nesse mar de preocupações, os dados do núcleo da inflação — que desconsidera as variações nos preços de energia e alimentos, que são mais voláteis — serviram como um alento para parte do mercado.
Apesar de o número ter vindo levemente acima do esperado pelos analistas nos últimos 12 meses — 6,5% vs. 6,4% —, no mês o núcleo da inflação totalizou 0,3%, abaixo do 0,5% projetado pelo mercado.
Seria este então o ponto de inflexão para a inflação?
Logo após a divulgação do dado, as taxas de juros dos títulos de dez anos chegaram a cair quase 10 pontos-base, saindo do patamar de 2,8% para perto dos 2,7%. O sinal que ficou é de que o Federal Reserve talvez não precise ser tão duro no aumento de juros.
É importante notar, contudo, que, nos dias anteriores à divulgação do CPI, a taxa de dez anos do Tesouro americano saiu dos 2,6% para quase 2,85%. Desde o começo do mês, foram mais de 40 pontos-base em um espaço de menos de 15 dias — algo inimaginável tempos atrás. Ou seja, ainda que o recuo tenha sido expressivo, está longe de representar uma reversão no movimento.
E, particularmente, mesmo com o recuo de alguns itens, como o preço de carros usados, com queda de quase 4% no mês, energia e alimentos ainda devem manter o nível de preços elevado nos próximos meses.
Claro que uma redução na velocidade do aumento de preços é positiva para os consumidores. Mas enxergar uma inflexão dos patamares atuais de maneira substancial não me parece o mais plausível.
Mesmo com a queda das máximas, não podemos esquecer que o preço do barril de petróleo ainda se encontra próximo dos US$ 100, uma alta de mais de 33% no ano e de quase 70% nos últimos 12 meses.
Mas a situação que mais me preocupa mesmo é a dos alimentos.
No limite, as pessoas podem buscar outros meios de locomoção (ainda que para muitos isso seja algo extremamente difícil, claro). Mas quando falamos de itens básicos para a sobrevivência, algumas situações podem fazer com que os indivíduos tomem atitudes drásticas para ter acesso a esses produtos.
Recentemente vimos cenas de revolta por parte da população do Peru, protestando contra o forte aumento nos preços dos combustíveis e alimentos, obrigando o presidente a impor um toque de recolher para tentar conter os manifestantes.
E isso pode fazer com que mais países adotem restrições às exportações de alimentos para outros países, causando assim mais dificuldades em nível global.
Segundo dados do Banco Mundial, em poucas semanas o número de países que impuseram esse tipo de medida aumentou em 25%, chegando à marca de 35. Ao final de março, 53 novas políticas de intervenção que afetam o comércio de alimentos haviam sido impostas — das quais 31 estavam ligadas a restrição de exportação e 9 relacionadas especificamente ao trigo.
Por ora, o controle das importações e exportações não é tão amplo quanto o observado após a Grande Recessão. Entre 2008 e 2011, os controles impostos representavam 74% do comércio global de trigo; hoje, esse número é de 21%.
Contudo, um ciclo de retaliações que gere novas medidas por outros países pode trazer novos aumentos de preço das commodities agrícolas. Estimativas apontam que o preço do trigo poderia subir mais 13% caso qualquer um dos cinco maiores exportadores da commodity decidisse banir o comércio com outros países.
E a inflação em patamares mais elevados que o esperado pelo mercado pode ensejar uma maior atuação por parte dos bancos centrais ao redor do mundo.
Algumas projeções de mercado apontam para o equivalente a nove aumentos de 0,25 ponto percentual na taxa de juros por parte do Federal Reserve, o que a levaria para o intervalo entre 2,5% e 2,75% ao final de 2022. Isso pode ter implicações inclusive na taxa brasileira — o próprio presidente do Banco Central do Brasil se disse surpreso com a inflação de março em terras tupiniquins, acima das projeções dos analistas.
Os formuladores de política monetária ainda terão que refletir muito nos próximos meses sobre qual o melhor plano para reduzir o nível de preços sem colocar em risco o ritmo de crescimento da economia global. Mas inflexão ainda me parece algo improvável na realidade atual.
Um abraço,
Enzo Pacheco