Day One

MOTHER, DO YOU THINK THEY’LL DROP THE BOMB?

“Em paralelo à inflação alta e persistente sobretudo lá fora, com suas consequências sobre as taxas de juro em nível global […]”.

Por Felipe Miranda

26 set 2022, 08:15 - atualizado em 27 set 2022, 08:17

Leitura séria
Fonte: Free Pik

Em paralelo à inflação alta e persistente sobretudo lá fora, com suas consequências sobre as taxas de juro em nível global, convivemos com elevada tensão geopolítica.

Talvez não seja coincidência. Historicamente, há importante relação causal entre inflação e aumento das pressões sociais e movimentos políticos. Yaneer Bar-Yam, um dos grandes estudiosos de complexidade, por exemplo, anteviu a Primavera Árabe justamente ao identificar a elevação do preço dos alimentos. Dada a interdependência de sistemas complexos, até os movimentos de junho de 2013 no Brasil teriam relação com a inflação de itens mais básicos.

O título, extraído de “Mother” do Pink Floyd, é uma referência mais direta a Putin, mas poderia ser um alerta mais amplo à possibilidade de algum evento de cauda lá fora.

Primeiro, a própria guerra na Ucrânia. Algo em particular me preocupa, além, claro, dos referendos, sob muita coação, para anexação de territórios ucranianos pela Rússia. As recentes vitórias da Ucrânia e suas reconquistas territoriais aumentam a tensão sobre Putin. “O mal é bom, e o bem, cruel.” Como se as conquistas ucranianas acabassem o deixando com poucas opções para evitar uma humilhação completa. Numa metáfora, é como se o sujeito tivesse encurralado um rato – sabendo que vai morrer, o rato acuado acaba mordendo o quanto pode; chegamos a um desfecho ruim para todos os envolvidos. Quem confiaria num autocrata encurralado?

Enquanto isso, nos aproximamos do inverno europeu. Dada a situação econômica ruim e a falta de alternativas à crise energética, poderíamos caminhar para algum tipo de “acordo sujo” entre a Europa e a Rússia, para usar uma expressão de Thomas Friedman, em que se aceitaria a anexação de alguns territórios ucranianos por Putin, de modo a acabar a guerra, ao menos temporariamente, e garantir o suprimento de gás à Europa. Em sendo o caso, teríamos uma mensagem ruim de médio e longo prazo: autocratas podem incorrer em violações de tratados internacionais e impetrar crimes de guerra, ainda assim podem chegar a acordos parcialmente favoráveis.

Outra possibilidade é seguirmos sem acordo e Putin suprimir a oferta de gás. Ainda pior, optar pelo caminho de uso de armas nucleares. 

“Pra variar, estamos em guerra. Você não imagina a loucura.” Mas a guerra vai além do sentido literal e assume contornos metafóricos também. “Jogar a bomba”, aqui, envolve também algum tipo de evento de cauda que possa interromper as doses homeopáticas de sofrimento a que temos sido expostos nos últimos meses e trazer algum tipo de ruptura, pânico e circuit breakers lá fora. “Do terror sem fim ao fim terrível.” Finalmente, a baleia boiando apareceria no oceano vermelho. O cadáver requerido para batizar a crise de 2022, encerrar o ciclo e começar um novo.

As alusões à guerra são de natureza mais abrangente. Conforme tem insistido Niall Ferguson, já vivemos uma Guerra Fria 2, entre EUA e China, com paralelos marcantes com a década de 70 – não à toa, a inflação norte-americana é a maior em 40 anos. A guerra do Yom-Kippur, com seus impactos sobre o preço do petróleo, encontraria paralelos na invasão da Ucrânia. Uma possível invasão de Taiwan poderia trazer os EUA para uma guerra quente na Ásia, a exemplo do que foi o Vietnã ou mesmo a guerra da Coreia. Os erros de política monetária de Jerome Powell e companhia, ao chamar a inflação de 2021 de transitória, fariam inveja a Arthur Burns.

Em paralelo, alguns analistas já recuperam a expressão “currency wars”, para caracterizar os desequilíbrios nos mercados de câmbios e as reações dos formuladores de política econômica. 

Liz Truss precisou de um mês para arrasar a libra. Com seu impacto de corte de impostos e aumento de gastos, empurrou a moeda britânica para seu menor patamar desde 1985, enquanto o yield dos gilts de 10 anos observou alta diária recorde na sexta-feira.

Depois de muito tempo, o Banco do Japão interveio no mercado de câmbio e se disse pronto para voltar a defender o iene se necessário. A China acaba de impor uma taxa de 20% sobre transações cambiais, para frear a desvalorização do yuan. 

As respostas ao “rei dólar” começam a se intensificar – o DXY, índice que mede o comportamento do dólar contra uma cesta de moedas, caminha para sua maior alta anual desde sua criação.  

A desvalorização das moedas ex-dólar aumenta a pressão inflacionária nesses países, o que, como escrito no começo deste texto, sugere aumento da instabilidade social. Uma das consequências históricas de cenários assim é a maior radicalização política, no geral com maior tendência de se caminhar à direita – a Itália acaba de eleger Giorgia Meloni, candidata da ultra-direita. E lá vamos nós conviver com possíveis questionamentos ao euro (da minha parte, me questiono mesmo como alguém pode querer se livrar de Mário Draghi às vésperas de uma grande crise.)

Enquanto isso na sala da justiça, o Brasil entra na reta final de suas eleições presidenciais. Cada um dos dois principais candidatos se coloca como favorito para ganhar no primeiro turno. Algo não está certo. O risco de terceiro turno, ou, nas brilhantes palavras de Luis Stuhlberger, o risco de “Banana Republic”, ou seja, de contestação das eleições, não é desprezível.

“Mother, should I trust the government?”

Apertem os cintos para as próximas duas semanas.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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