Os coaches poderiam aprender com Henry Kissinger. Em sua investigação “Sobre a China”, ele oferece uma definição caprichada e muito menos clichê do que é liderança:
“Os líderes não podem criar o contexto em que operam. Sua contribuição distintiva consiste em operar no limite do que uma dada situação permite. Se excedem esses limites, entram em colisão; se lhes faltam o que é necessário, suas políticas ficam estagnadas. Se constroem com solidez, podem criar um novo cenário de relacionamentos que se sustenta ao longo de um período histórico porque todas as partes o consideram de interesse próprio.”
A pergunta que se coloca: poderiam os líderes formuladores de política econômica promover inflação depois de anos de estagnação secular ou essas seriam condições de contexto limitantes para sua operação?
Estávamos — ou será que ainda estamos? — mesmo numa situação limite. O “emerging tech” sofria bastante até a última quinta-feira, testando níveis importantes de suporte, sob receios de uma espiral de resgates nos respectivos ETFs e em fundos especializados em tecnologia.
Houve um alívio na sexta-feira. O Relatório de Emprego norte-americano trouxe a criação de postos de trabalho muito aquém do esperado, diminuindo temores de superaquecimento da economia dos EUA e consequente inflação.
Durou pouco. As commodities voltam a subir com força nesta manhã e devolvem a preocupação com os níveis de preço ao longo de toda a cadeia produtiva. O minério de ferro bate o limite de alta na China, ficando 10% mais caro, empurrado por recrudescimento nas relações sino-australianas, pela robustez do segmento de siderurgia e por movimentos especulativos de pessoas físicas em contratos futuros. O cobre renova recorde histórico, e o alumínio também se aprecia destacadamente. A gasolina chegou a subir 4,2% com ataque cibernético a importante oleoduto nos EUA, embora tenha diminuído o movimento na sequência.
A dinâmica das matérias-primas catalisa mais um dia de reflation trade — o mercado vende tecnologia e casos de crescimento, receoso de que a inflação venha a forçar juros mais altos e penalize os fluxos de caixa esticados no futuro distante; e vai comprar o value investing clássico da velha economia, como siderurgia, mineração e bancos.
Estamos em mares nunca dantes navegados. Não é possível saber se, após um ajuste inicial e uma recuperação cíclica, os esforços fiscais e monetários trarão a inflação para patamares mais altos de forma sistemática. Algo chama a atenção, porém: o spread entre o juro real de dez anos nos EUA e a inflação implícita para o mesmo prazo supera 3%. A taxa real está negativa em torno de 1%, para uma inflação esperada em 2,4% (contra uma média de inflação desde 2010 de 1,7%).
Aqui, há algo muito capcioso. Seria razoável supor que, se houver sucesso em levar a inflação para 2,4%, a taxa de juro real continuaria negativa em cerca de 1% para um período de dez anos? Parece-me mais provável que: ou a inflação não sobe para esses níveis (e o juro real aumenta); ou, se a inflação subir mesmo, o juro nominal sobe também, elevando o juro real frente ao projetado.
O apreçamento atual encontra paralelo com aquele de 2013, quando o fatídico episódio chamado de “taper tantrum” pegou muita gente de calça curta. Em depoimento ao Congresso norte-americano, Ben Bernanke afirmou estar pensando em iniciar o processo de redução de compra de ativos pelo Fed (afunilamento, ou “tapering”). As taxas de juro real subiram de forma intensa e súbita, disparando grande realocação de portfólios em nível global.
Jerome Powell tenta rebater a preocupação, em alusão clara ao discurso famigerado de Bernanke, ao dizer que o Fed “is not even thinking about thinking about raising rates” (não está nem pensando em pensar em subir os juros). Ainda estou tentando entender a circularidade do raciocínio. A atitude deliberada de não pensar é, em si, um ato de pensar. Mas segue o jogo.
Líderes estão necessariamente circunscritos às condições de contorno. Podemos não ter um superciclo de commodities, mas há um ciclo em curso, possivelmente rápido e intenso. Havemos de aproveitá-lo. O prognóstico de curto prazo ainda parece indicar a vitória do value sobre o growth, com dias difíceis ao emerging tech mais esticado. Vale me anima fortemente. Banco Inter me preocupa. Os monstros estão por aí, inclusive no Leblon.
Day One
Não estou nem pensando em pensar em vender Vale
Os coaches poderiam aprender com Henry Kissinger. Em sua investigação “Sobre a China”, ele oferece uma definição caprichada e muito menos clichê do que é liderança:
Sobre o autor
Felipe Miranda