O noticiário não nos dá descanso. É Bolsa caindo, são os “Fed boys” falando do aumento de juros americanos, a ômicron revivendo os pesadelos dos últimos dois anos… Uma sinfonia de desastre para a Bolsa.
Neste momento, seu foco nas manchetes, enquanto investidor, tende a ser inversamente proporcional à qualidade do seu sono.
Do nosso lado, enquanto analistas, nos interessa a evolução dos fundamentos das empresas. Porque a Bolsa nem sempre sobe e, quando ela inevitavelmente cai, forma-se uma miríade de oportunidades de compra nas empresas de bons fundamentos. Isso é praticamente um Jardim do Éden para o analista focado nos fundamentos.
As cíclicas domésticas, como é o caso das empresas brasileiras de varejo discricionário, foram particularmente machucadas nesse bear market. Isso é natural; as cíclicas tendem a refletir o movimento da Bolsa com mais intensidade. Se a economia vai bem, elas são mais beneficiadas; se vai mal, mais penalizadas.
O fato é que estamos em uma zona compradora para essa categoria. Em algum momento, a Bolsa vai subir e, quando isso acontecer, essas empresas tendem a subir mais.
Não estou dizendo para comprar todas as cíclicas domésticas. Como sempre foi o caso na gestão de carteiras, a seletividade é crucial para a performance.
No meu primeiro Day One, tergiversei sobre a possibilidade do surgimento de um grande conglomerado de moda brasileiro, como já vimos acontecer na Europa. Nomes como LVMH, Kering e Hermés nos mostram a possibilidade de construir um grupo recheado de marcas fortes do varejo de moda.
À época da minha primeira carta, a Hering estava sendo disputada por companhias do setor. Acabou que a Arezzo &Co, a primeira ofertante, não teve sucesso na sua tentativa de compra, e quem levou a marca das camisetas básicas foi de fato o Grupo Soma.
Para a Arezzo, foi uma derrota temporária, porque um tempo depois a companhia comprou a Carol Bassi, uma marca de vestuário feminino voltada para as classes A e B, cujas peças têm um preço médio de R$ 1.600. O desfecho parece até mais favorável para a compradora, que tem um posicionamento de luxo, enquanto a Hering está mais aderente à classe B-.
Não é que um conglomerado de moda, então, parece estar se formando? A Arezzo &Co permanece focada na sua estratégia de “house of brands”, ou casa de marcas, e o caminho parece promissor.
Esse é um dos vários exemplos que encontramos na Bolsa brasileira de preço caindo e fundamento melhorando. Uma oportunidade de compra quase óbvia. O leitor deve ficar atento, contudo, às companhias cujo preço está caindo, mas cujos fundamentos estão piorando. Um dos princípios do Peter Lynch é “nunca apostar em uma reviravolta enquanto uma marcha fúnebre está sendo tocada”. A grande maioria dos papéis brasileiros está barata — alguns, entretanto, merecidamente.
Afora o necessário mergulho na dinâmica de negócios de cada empresa, algumas pistas podem nos apontar para as ações que nos oferecem uma oportunidade de compra de fato interessante.
Uma dessas pistas é a retomada do pagamento de dividendos. A Arezzo &Co ficou dois anos sem distribuir caixa aos acionistas, uma medida necessária para proteger a sobrevivência do negócio nos trimestres desafiados pela pandemia de Covid-19. Na última semana, interrompeu as vacas magras com um generoso juro sobre capital próprio. A Suzano, também uma cíclica (mas não doméstica), foi na mesma direção, anunciando um dividendo para os acionistas depois de dois anos sem fazê-lo.
Há também outras pistas que podem nos dizer alguma coisa, particularmente no cenário de desconto generalizado. Em época de Bolsa barata, as fusões e aquisições se tornam mais frequentes para os empresários (ou empresárias) que aproveitam os preços baixos para fazer aquela compra que sempre sonharam, mas não fizeram antes por conservadorismo com o dinheiro dos acionistas. Arezzo &Co, como sabemos, fez isso.
Ou, de outra forma, as companhias aproveitam o preço depreciado das próprias ações para recomprá-las, o que diminui a quantidade de papéis em circulação. Isso, em última instância, beneficia o acionista minoritário com preços mais atrativos para as ações que continuam negociando. Arezzo &Co também fez isso. A Raízen, controlada pela Cosan, também.
Da mesma forma que a Bolsa não pode subir para sempre, fica uma lição que os aventureiros de renda variável estão duramente aprendendo: ela também não pode cair para sempre. Quando a Bolsa voltar a subir, tenha a certeza de estar devidamente posicionado (ou posicionada).
Um abraço,
Larissa