Day One

NuCrashed: “queremos elevar a consciência mundial”

“O papel da WeWork é elevar a consciência mundial.”Rebecca Neumann Depois da surpresa negativa no resultado trimestral, os analistas querem saber como modelar o lifetime value do cliente de varejo para a frente. O management insiste em contar a história da venda da Ranger. O mercado também quer entender os lucros do business institucional. O […]

Por Felipe Miranda

10 maio 2022, 15:56 - atualizado em 11 maio 2022, 15:04

“O papel da WeWork é elevar a consciência mundial.”
Rebecca Neumann

Depois da surpresa negativa no resultado trimestral, os analistas querem saber como modelar o lifetime value do cliente de varejo para a frente. O management insiste em contar a história da venda da Ranger.

O mercado também quer entender os lucros do business institucional. O management rebate, argumentando que não olha a companhia assim. Prefere falar em off com aquele analista dedicado, para, claro, poupar o tempo dos demais presentes no call, desinteressados (será mesmo?) naquele pequeno detalhe.

Será, então, que podemos ter uma cor do mês de abril, dado o início de ano mais poluído? A Diretoria evita o disclosure. Diz que está focada no longo prazo, evitando dados de alta frequência, essencialmente voláteis e ruidosos. Sabe como é: em tempos de queda da Bolsa, day trader vira investidor de dividendo.

O que está acontecendo com empresas que até pouco tempo atrás eram grandes queridinhas e agora enfrentam quedas de 40%, 50%, até 80% em suas ações?

Há uma leitura (correta, esclareça-se) de que grande parte dessa mudança de percepção decorre de uma alteração macroeconômica e sistêmica. A nova configuração para taxas de juro em âmbito global e também local exige uma importante atualização dos valuations e impacta os lucros para a frente. Foram companhias nascidas e criadas num ambiente de financial deepening, numa espécie de farra do dinheiro barato, dos powerpoints bonitos e dos CEOs messiânicos.

Tempos fáceis criam homens (e empresas) fracos. O sucesso é sempre um mau professor, escondendo fragilidades estruturais e empurrando para debaixo do tapete desvantagens competitivas e disputas internas. 

Tudo isso é verdade. Contudo, essa interpretação estritamente financeira não me parece contar toda a história. Ofereço uma explicação adicional para a coisa — em nenhuma medida ela conflita com a anterior; ao contrário, trata-se apenas de um reforço. O contexto macro desafiador apenas facilita trazer à superfície as adversidades culturais.

O mercado subestima a priori o quanto é difícil fazer uma transição da posição do estereótipo do underdog, do franco atirador contra um sistema opressivo, para uma situação mais mainstream, de incumbente. 

No primeiro estágio, a empresa nascente desafia o sistema, se coloca como alternativa aos defeitos alheios. Nutre-se do arquétipo do herói que vem enfrentar os vilões estabelecidos. O neobank desnudo de taxas e produtos ruins cresce exponencialmente a partir de cores e narrativas reluzentes em prol do cliente. Ainda sem grande escala e sem muito produto para vender, o atendimento é impecável, o correntista é bem tratado. O boca a boca rola solto, o CAC é baixo e passamos a observar os benefícios da externalidade de rede. A coisa vai bem até certo momento.

Mas então a fintech vira o maior banco da América Latina em valor de mercado. Fica difícil falar mal do sistema se você virou o próprio sistema. E se continua pagando imposto como fintech, começa a oferecer seguro de vida caro aos clientes, passa a não atender os correntistas com a mais eficiência e, pior, alimenta seus executivos, que por sua vez estão em Punta, em Dubai ou na Disney, com bônus multimilionários, a coisa fica um pouco mais delicada.

A natureza do underdog é essencialmente diferente da natureza do incumbente. Davi tem suas próprias características definidoras. Magro, jovem, desconhecido. Ele não pode ser Golias. 

Pois, então, encaramos a difícil escolha de uma das situações:

1 — O desafiante original terá de se adaptar à nova natureza, o que é sempre uma questão difícil, porque as nossas almas têm seus próprios ancestrais. Mudar a si mesmo é sempre muito difícil.

2 — Caso a empresa em questão consiga se adaptar, o cliente original vai continuar fiel? Ou ele gostava mesmo das características originais, perdidas no momento em que tal natureza mudou?

Existem complicadores. O primeiro talvez de cunho sociológico. Numa sociedade essencialmente penitente pela herança cultural católica (diferente da ética protestante em prol do trabalho e dos lucros) e muito desigual entre suas classes, o sucesso é mal visto. É fácil gostar do pequeno, difícil valorizar o rico e poderoso.

O segundo é que, para crescer tão rápido e entrarem no gosto do investidor, muitas dessas empresas assentaram-se sobre narrativas irreais, tornando-se escravas delas mesmas. Abraçaram o home office quando ninguém sabia ainda como isso ficaria. Quiseram montar um novo Cupertino e daí, de repente, cadê a Vila? Ora, mas não emitiram um CRI? Com o novo patamar de escala, contratam-se novas pessoas de fora, não necessariamente alinhadas à cultura original. O banqueiro renomado pode conviver em harmonia com os jovens de outra natureza?

O terceiro deriva da dificuldade de manter aquele NPS tão alto e o CAC tão baixo quando você precisa virar a chave para rentabilizar o cliente — afinal, ao menos no mundo em que eu vivo, só pode haver sustentabilidade empresarial se aquela empresa gerar caixa. O cliente que adorava a ausência de anuidade vai continuar trazendo um coleguinha pra ser cliente quando ele analisar a fatura do cartão e o custo do seu seguro de vida?

Se há exponencialidade no boca a boca, também existem as viralizações negativas. Há poucas semanas, o Nubank enfrentou talvez sua maior crise de relações públicas, com o caso da remuneração de seus executivos. No final de semana, outro problema: viralização de uma sequência de tuítes sobre movimentação bancária de um cliente. De repente, virou pop falar mal daqueles que há poucos meses foram capa de revista com o título de “revolução no capitalismo”.

Enquanto isso na sala da justiça, Itaú soltou um bom resultado trimestral, com lucro líquido de R$ 7,4 bilhões, ligeiramente acima do consenso — não foi um resultado espetacular e tão superior ao esperado, mas consistente, com belo desempenho do braço de seguros. E BTG teve seu recorde histórico de lucros e receitas, com ROE de impressionantes 21,5%, muito ajudado por resultado de tesouraria. Ah, sim, o mercado não paga muito por sales & trading, mas lucro é lucro; não é retórica ou narrativa. Ajuda a pagar a conta do resto e a investir ou pagar dividendo.

Entre Adam Neumann e Jamie Dimon, não parece muito difícil escolher.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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