Day One

O curioso caso do Trader de Manchetes

“Os últimos dias devem ter sido ocupados para o Trader de Manchetes. Primeiro, a B3 informou que havia divulgado dados inflados sobre o fluxo […]”.

Por Larissa Quaresma, CFA

05 abr 2022, 10:28

Os últimos dias devem ter sido ocupados para o Trader de Manchetes. Primeiro, a B3 informou que havia divulgado dados inflados sobre o fluxo estrangeiro na Bolsa: para o ano de 2022, a entrada estava superestimada em 40%. O Trader de Manchetes, um dos primeiros a ver essa notícia, vendeu suas ações brasileiras logo na abertura do pregão seguinte. Depois, o governo sinalizou que pretende aumentar a carga tributária dos bancos. O Trader de Manchetes, então, aproveitou logo a primeira oportunidade para montar vendas a descoberto em Itaú, Santander e Bradesco.

Esse personagem, embora tenha seus méritos pela rapidez com que consome informação nova, parece ignorar um exercício imprescindível ao investidor de ações: o pensamento de segundo nível, conceito batizado por Howard Marks. A noção de second level thinking prega que não adianta estar certo sobre um ativo; para que você ganhe dinheiro, é preciso ainda que esta certeza não esteja refletida nos preços de tela.

A questão é que enquanto o Trader de Manchetes ainda está lendo a matéria, já tem gente (e robôs) se preparando para agir de acordo com a informação nova logo na abertura do pregão. Com tantos seres inteligentes acompanhando os mesmos ativos, é difícil que sua análise seja superior à deles a ponto de seu movimento na abertura superar o deles no quesito inteligência. Isso é mais verdade ainda para ativos muito acompanhados pelo mercado, como é o caso das empresas que compõem o Ibovespa, incluindo os grandes bancos.

O Trader de Manchetes, por mais que tenha feito de tudo para chegar na frente, acabou tendo suas ordens processadas depois dos robôs operados pelos fundos quantitativos. Antes que o navegador do Trader carregasse o home broker, o maior fundo quantitativo do país já havia assegurado sua consistente vantagem de milissegundos, conquistada pelos investimentos que fez em capacidade computacional.

Tomemos como exemplo a manchete sobre fluxo gringo: é claro que seria melhor caso a entrada de recursos estrangeiros tivesse sido dos R$ 90 bilhões originais, em vez do número revisado, de R$ 65 bilhões. Entretanto, agora já é tarde demais para agir sobre essa informação – talvez já fosse tarde demais um milissegundo depois de publicada.

Não digo isso para apregoar um boicote aos jornais, muito menos aos jornalistas. O que tento propor, aqui, é uma outra abordagem: usar as manchetes para se informar de fato, usando aquele conhecimento para expandir seu entendimento da conjuntura e dos ativos que acompanha.

Ainda sobre o dado de fluxo estrangeiro na B3: o fato é que a entrada líquida de recursos ainda é positiva, e muito. R$ 65 bilhões não são um número desprezível. Para os curiosos sobre o que causou a revisão do valor, a B3 vinha somando no fluxo as operações de empréstimos de ações na tela, uma modalidade de trade disponibilizada aos clientes em outubro de 2020. Entretanto, a instituição considerou que essas operações não configuram fluxo de fato, e optou por retirá-las da conta. Os números dos anos de 2020 e de 2021, portanto, também precisam ser revisados (para baixo também), e a B3 disse que os republicará em breve. De todo modo, a consequência geral é a mesma de antes: em 2022, os gringos entraram pesado na bolsa brasileira.

No caso do imposto sobre os bancos, o panorama muda, sim, para essa categoria – mas não muito. O Congresso aprovou uma lei que perdoa certas dívidas do Refis, programa de financiamento de impostos, devidas por CNPJs enquadrados no Simples Nacional e na categoria de Microempreendedores Individuais. Essa regra implica uma renúncia fiscal da ordem de R$ 500 milhões, o que obriga o Ministério da Economia a criar um outro mecanismo que aumente a arrecadação na mesma proporção. A solução esboçada, então, é aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos.

Antes que o dedinho nervoso abra o home broker para vender logo os bancos, vamos entender a magnitude dessa mudança. Somente somando os lucros líquidos de Itaú, Bradesco e Santander, chegamos em R$ 110 bilhões em lucros antes de impostos em 2021. Para compensar a perda de arrecadação de R$ 500 milhões, somente considerando esses 3 bancos, um aumento de meio ponto percentual no CSLL já seria mais que suficiente. Se hoje a alíquota é de 20%, ela iria, então, para 20,5%. Detalhe que a taxa que vigorou de março a dezembro do ano passado foi de 25%.

Pode ser que o governo aproveite a oportunidade para já deixar uma gordura, aumentando a alíquota um pouquinho mais que o necessário. O Ministério da Economia fala em levar a taxa para, no máximo, 23% — ainda assim, abaixo do patamar de 2021. Tudo considerado, então, trata-se de uma melhora marginal, de fato, no cenário tributário para os bancos. São, no mínimo, 2 pontos percentuais a mais de lucro para o acionista, na comparação com o ano passado. Será que essa melhora marginal está no preço?

Antes de operar com base nas manchetes, aprofunde-se. Você quer entender aquilo que o consenso ainda não reflete.

Por favor, não seja o Trader de Manchetes.

Um abraço,
Larissa

Sobre o autor

Larissa Quaresma, CFA

Analista de ações há 10 anos, é responsável pela série As Melhores Ações da Bolsa e pela carteira mensal Empiricus 10 Ideias, além de integrar a equipe da Carteira Empiricus, o portfólio multimercado da casa. Ao longo da carreira, teve passagens pela Núcleo Capital, tradicional fundo de ações brasileiro, e pelo Credit Suisse. Administradora formada pelo Ibmec-MG, aluna visitante da Stanford University e com certificações CFA, CNPI e CGA.

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