Day One

O Evangelho segundo o investidor missionário

“Chego ao casamento, outros convidados vão chegando. O noivo está a postos […]”.

Por Rodolfo Amstalden

23 jun 2022, 09:57 - atualizado em 23 jun 2022, 09:57

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Fonte: FreePick

Chego ao casamento, outros convidados vão chegando. O noivo está a postos, a noiva entra deslumbrante no salão. Melhor dos climas, tudo perfeito, no aguardo para começar a cerimônia.

“Estou decepcionado” – diz o padre. Algo a ver com a expectativa de um ‘boa tarde’ mais efusivo. “Isso é o mínimo que posso esperar dos cristãos fervorosos que estão reunidos aqui hoje”.

Eu não sou cristão, e não sou exatamente uma pessoa que ferve, fervente, que exala calor. Ainda assim, cumprimentei o padre em alto e bom som. A educação vem antes da religião, e muito antes de atingirmos nossos pontos de ebulição.

Minutos depois, o padre lembra rispidamente os cristãos fervorosos de que Deus está no altar, não no celular. Faz a leitura do Evangelho, e transmite seus conselhos aos novos cônjuges.

Nessas ocasiões, sempre fico imaginando como uma pessoa completamente alheia à experiência própria de viver em casal pode dar conselhos úteis sobre casamento.

Lembrei-me de quando eu e o Felipe entrevistamos o Head de Equity Research de uma corretora bastante tradicional, que – conforme nos falou em off – tinha pânico de renda variável; só gostava de investir em imóveis físicos. “Uma coisa é analisar, outra coisa é comprar na física, né?”.

Bom, isso faz tempo já, o mundo deve ter mudado desde então.

Depois que o padre terminou de falar, o Nelson explicou aos gélidos agnósticos que ali se encontravam que a sauna gay em frente ao Z Deli era lotada de sacerdotes, comendo macarrão às quartas-feiras. Fiquei feliz em saber disso, conselhos com mais conhecimento de causa.

Mas estou tergiversando de novo, peço perdão. Voltemos à homilia, em que o padre finalmente apresenta aos noivos três tipos de amor.

O amor ágape, incondicional e inequívoco. Só pode estar ao alcance de Deus, mas serve de inspiração aos homens e mulheres por Ele amados.

O amor philia, entre amigos, que dá na mesma medida em que recebe. É um amor duplamente interessado.

E o amor eros, do romance e do desejo carnal, dos amantes bem amados.

“Bem, quero que vocês se lembrem disto que eu vou dizer”. 

Acho que não tem como esquecer.

“Se o amor eros desaparecer e o relacionamento perder sua fonte de desejo, não desanimem, ainda restam outros dois amores. Portanto, continuem juntos!”.

Talvez seja mesmo possível continuar juntos, às custas de sessões de terapia ou traição.

Talvez seja, de fato, um conselho útil a se transmitir para jovens recém-casados: fiquem tranquilos, não exijam tanto de si mesmos, ágape e philia bastam a uma vida cômoda e pacífica.

Meu conselho, porém, seria um pouco diferente. Meus filhos, vocês devem transbordar de amor eros. Se não for o caso, ou se o eros acabar, façam um favor um ao outro: separem-se.

Não há nada pior do que continuar casado infinitamente quando eros vai embora.

“Ah, mas o múltiplo está barato demais, seria como vender de graça! Você não leu o Evangelho do Value Investing? Precisamos seguir os rigorosos preceitos do buy & hold, custe o que custar! Apenas os fracos desistem da missão”.

Os fracos não desistem da missão, porque não existe missão.

Não sei por que motivo viemos parar aqui, todo esse lance maluco de existir vida na Terra, mas tenho certeza de que não se trata de cumprir uma missão.

Sobre o autor

Rodolfo Amstalden

Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.

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