Passado o primeiro turno das eleições, voltamos àquela máxima já bem conhecida por aqui. “Dois problemas se misturam: a verdade do Universo e a prestação que vai vencer.”
Os mercados abrem animados a semana, empurrados pelo resultado eleitoral. E assim mesmo deve ser. Os ativos de risco se movem na margem, a partir da informação nova sendo incorporada às cotações.
O bolsonarismo mostrou força muito superior àquela sugerida pela maior parte das pesquisas eleitorais – o presidente Bolsonaro recebeu 7 pontos percentuais a mais de votos frente ao apontado pela média das pesquisas da véspera. Assim, chega competitivo ao segundo turno, embora o favoritismo ainda seja de Lula – lhe bastariam metade dos votos de Ciro Gomes e Simone Tebet para voltar ao Planalto; apesar da diferença muito menor do que o esperado, em termos absolutos ainda são cinco milhões de votos e isso não é exatamente pouca coisa.
Ainda que o favoritismo de Lula venha a se confirmar, não vai ser um passeio no parque. Não só pela menor distância entre os dois, mas pela configuração mais à direita e conservadora do Congresso e pela vitória de vários governadores bolsonaristas em estados importantes. Eleições marcantes de ex-ministros, como Rogério Marinho, Teresa Cristina, Damares, Pazuello, Salles; de nomes como Magno Malta, Carla Zambelli, Bia Kicis, Romário; e a destacada posição de Tarcísio em São Paulo mostram uma força marcante do bolsonarismo e da penetração do conservadorismo na própria sociedade.
Como consequência prática, mesmo no caso de eleição do ex-presidente Lula, deveríamos ter muita dificuldade para aprovar pautas muito à esquerda, para adotar uma política econômica mais heterodoxa ou para rever políticas e reformas recentes em prol das livres forças de mercado e da responsabilidade fiscal.
Lula haveria de caminhar ao centro, sinalizar uma política econômica ortodoxa, talvez simbolizada pela potencial materialização do convite a Henrique Meirelles para assumir a Economia, e compor alianças.
Corolário: diminui bastante o risco de cauda, aumenta a possibilidade de um real governo de centro, cresce a chance de discussão mais profunda sobre a nova âncora fiscal, tão necessária no momento. Fica pendente uma agenda mais séria em prol dos ganhos de produtividade e grandes reformas estruturais, mas aí talvez seja pedir demais. Ainda estamos no Brasil macunaímico de sempre… quem sabe num governo Zema 2026? A ver…
Conforme já se observa nos ETFs lá fora, o desempenho de curto prazo dos ativos de risco deve ser bastante positivo. Há tempos temos escrito que as eleições seriam um driver favorável para os mercados locais e reiteramos esse prognóstico. Mais do que isso, não deveríamos negligenciar a probabilidade de repetirmos algo semelhante ao final de 2018 e todo o ano de 2019, com forte rali por aqui; ou engatarmos um ciclo semelhante àquele de 2003-2007.
Setorialmente, estatais federais deveriam andar bastante bem no curto prazo – Petrobras, em particular, ainda se beneficia da vigorosa alta do petróleo, diante das sinalizações de possível corte na produção da Opep. Sabesp ganha atratividade com a vantagem de Tarcísio e seu viés privatizador. Copasa e Cemig podem ir pelo mesmo caminho, em especial essa última – o governador Zema tem como sonho pessoal a sua privatização. Em contrapartida, educacionais poderiam devolver um pouco dos ganhos recentes, muito ancoradas na perspectiva de retomada de um FIES mais amplo no caso de volta do ex-presidente Lula. Não compactuo com a ideia de que vale o mesmo para as incorporadoras de baixa renda — independente de quem seja o novo presidente, considero que o segmento continuará alvo de importantes subsídios. Ademais, incorporadoras representam um elevado beta sobre o Ibovespa e as taxas de juro.
Mas não nos empolguemos demais. Já estamos um pouco velhos para isso. As falsas esperanças e as expectativas ingênuas ficaram ali naquela curva Tamburello, em Ímola, maio de 1994.
O pleito muito apertado pode abrir caminho para a possibilidade de Terceiro Turno ou risco Banana Republic, uma contestação mais forte das eleições que viessem a despertar mobilizações de rua e risco às instituições. Note que, até agora, as eleições caminham de forma bastante ordeira, o que inclusive é bom sinal ao investidor estrangeiro – a pior democracia ainda é superior à melhor das autocracias; e isso está valorizado, principalmente quando olhamos outros países emergentes. Contudo, não há garantias de que será assim no caso de uma eleição muito apertada. Política é retórica e viés de confirmação – a narrativa precisaria continuar viva.
Em paralelo, o exterior é fonte de grande preocupação. A China enfrenta um grande problema imobiliário, com papo de novo default semelhante àquele da Evergrande. As condições financeiras em âmbito global se apertam a um ritmo alucinante e seria improvável atravessarmos essa crise sem que uma grande baleia apareça boiando por aí. O rumor é de que se trata do Credit Suisse. O boato existe há seis meses, mas está bastante alto agora. Bancos são especialmente problemáticos pelo seu componente sistêmico e pela tradicional profecia autorrealizável – o próprio rumor de quebra dispara a corrida bancária que o empurra do precipício.
Mais do que nunca, estamos long (comprados) em Bolsa brasileira e short (vendidos) em S&P 500. Estudamos aumentar a exposição short lá fora. Dedo no gatilho.