“Reason is, and ought to be,
the slave of the passions”.– David Hume
Antes da independência do Banco Central brasileiro, a ingerência político-ideológica sobre a Selic se limitava ao viés dovish, de afrouxo monetário.
Por conta disso, Alexandre Tombini foi carinhosamente apelidado de “Pombini” pelo mercado, ao praticar o menor esforço possível para aproximar a inflação efetiva do sótão da meta.
Agora, porém, temos um novo contexto, no qual as preferências idiossincráticas de um presidente de Bacen – e de sua diretoria – podem se manifestar também por meio do viés hawkish, de aperto monetário.
Nessa inédita interpretação, um Bacen oposicionista teria ao menos dois anos de autonomia para manifestar seu descontentamento com o status quo, compensando manobras fiscais que julgar excessivas ou agindo simplesmente por vingança.
Embora esteja tácito no debate atual, não estou dizendo aqui que RCN se comporta dessa maneira, até porque possui a seu favor uma sistemática divergência da inflação futura para embasar tecnicamente o tom hawkish.
Mas devemos considerar que aquilo que, pré-independência, não era sequer uma possibilidade hoje passa a ser: o uso não técnico do hawkish.
Não acho que isso seja necessariamente ruim, já que permite que pombos e falcões disputem altitude sob as mesmas condições de paridade, construindo um equilíbrio pendular dialético.
E com certeza não é motivo para colocarmos em xeque a independência do Banco Central.
Um dos grandes debates da Filosofia da Ciência – talvez o maior deles – é o de como tendemos a empregar ferramentas técnicas para promover, de forma mascarada, os nossos anseios mais primitivos.
O dionisíaco que se manifesta, à luz do dia, através de Apolo.
Se o presidente do Bacen bebe seu vinho disfarçado de Apolo, o presidente da República não faz questão nenhuma de disfarçar.
Contra a responsabilidade fiscal, contra o Banco Central, contra a Eletrobras privatizada, contra tudo e contra todos, Lula não tem conseguido ficar a favor de si mesmo neste início de mandato.