“Dê ao problema o tamanho que ele tem.” É sempre difícil dimensionar uma situação quando ela está sendo vivenciada. Para o sujeito que chega ao pronto-socorro, a dor de um corte profundo no dedo indicador é tão ou até mais grave e intensa do que aquela sentida pelo paciente com dois tiros no peito.
É algo típico nas empresas também. Cada time vai ao TI pedindo uma nova funcionalidade imprescindível — ocorre que os programadores não conseguem atender tudo ao mesmo tempo e alguém vai precisar hierarquizar esses imprescindíveis todos.
Se você tem um olhar muito local ou está afundado num problema específico, perde a perspectiva histórica, típica do afastamento, e está incapacitado de realizar uma observação relativa.
Há poucas semanas, o mercado entrou numa ideia de “no landing” para a economia dos EUA. A atividade estava muito forte e, então, teríamos abandonado a hipótese de desaceleração econômica.
De tempos em tempos, entramos nessa dinâmica de extrapolar indefinidamente para o futuro uma situação presente. Não precisamos ir longe. Na pandemia, as lojas físicas seriam exterminadas, o custo de capital continuaria zero para sempre, os escritórios deixariam de existir e as reuniões presenciais estariam retratadas apenas nos museus — acho que as pessoas se esqueceram que isso seria um risco para a espécie. “Dancing with myself” é uma bela música do Billy Idol, um mau caminho para a humanidade…
Eu, que prefiro o risco de ser chamado de “especista” e tenho três filhos, nunca comprei essa história. Assim como não entrei muito na narrativa mais recente. A ideia ali entre setembro e outubro era de que a política monetária não faria mais tanto efeito, os benefícios e subsídios da pandemia durariam para sempre, mantendo o consumo elevado, a inflação continuaria indefinidamente alta. No fundo, estava sendo desafiada a própria noção de ciclicidade da economia e dos mercados.
Política monetária funciona. Pode demorar mais ou menos, ser um pouco mais ou menos efetiva. Mas ela suaviza ciclos em torno de uma tendência estrutural de longo prazo. Cedo ou tarde, o supply chain global, tão castigado na pandemia, seria normalizado, as economias levantadas pelas famílias durante a covid-19 seriam consumidas, o aumento do custo de capital bateria na capacidade de financiamento das empresas (afetando investimentos e emprego), o juro mais alto chegaria na atividade como um todo.
Os ciclos fazem parte da natureza. Sístole e diástole, as marés, as fases da lua, as estações do ano, boom and bust, alavancagem e desalavancagem. Desafiá-los representa negar a própria realidade. E, se seu modelo mental nega a realidade, desculpe, mas não é a realidade que está errada. Aliás, ela nem liga pra você ou pra mim. Vai continuar assim como é, inexorável, impiedosa e avassaladora, independentemente das crenças e dos vieses pessoais.
Na pandemia, flertamos com a barbaridade ingênua da Moderna Teoria Monetária. Uma hipótese acadêmica começou a ser testada na realidade e achamos que poderíamos emitir moeda infinitamente, sem qualquer consequência para a inflação e para as trajetórias de endividamento dos países. Deu no que deu.
Há poucas semanas, é como se tentássemos uma via alternativa diametralmente oposta: vamos subir os juros loucamente e nada vai acontecer com a inflação e a atividade.
Uma hora ou outra, a realidade se impõe. A economia norte-americana criou bem menos postos de trabalho do que se esperava em outubro. A produção industrial caiu 0,6%, muito além das expectativas. Os pedidos de auxílio-desemprego registraram máxima em dois anos. A inflação ao consumidor e ao produtor mostrou inesperado arrefecimento. O “landing” chegou — a dúvida agora é em qual intensidade.
Em termos objetivos, porém, já é consenso o descarte de nova alta para os juros básicos por lá. A expectativa é de que a Fed Funds Rate já esteja 50 pontos-base mais baixa frente a atual em julho de 2024.
Por aqui, a inflação também segue surpreendendo para baixo, enquanto a atividade dá sinais de enfraquecimento mais pronunciado na margem. O IBC-Br recuou em setembro, enquanto se espera uma alta de 0,2%, puxado para baixo pelo setor de serviços.
Se os temores mais recentes eram de que o Copom dificilmente jogaria a Selic abaixo de 10,5% ao ano, agora as projeções para a taxa terminal já voltam abaixo para a casa de um dígito, enquanto se discute a possibilidade de aceleração no ritmo de cortes.
O grande fator de destruição de valor dos ativos de risco brasileiros desde julho de 2021 foi a alta das taxas de juro, tanto aqui quanto lá fora. A dinâmica é diametralmente oposta agora.
Árvores não crescem até o céu e, infelizmente, a renda variável… varia. Não se espera um passeio no parque. Não veremos o Ibovespa subindo 10% todo mês. Teremos volatilidade à frente.
Seja como for, os ativos locais continuam baratos e o juro deve cair mais do que se esperava. Sem falsas esperanças, porém. Da mesma forma como fomos dramaticamente afetados no ciclo ruim de 2021 para cá, podemos viver sua posição simétrica agora, sendo que poucos estão devidamente posicionados para isso. No fundo, é só um bull market.