Day One

Separar ruído de sinal? Boa sorte.

“Na prática, a separação entre joio e trigo é bem mais complicada, pois o joio tem uma exímia habilidade de se disfarçar de trigo”

Por Rodolfo Amstalden

12 jul 2023, 17:15 - atualizado em 12 jul 2023, 17:15

Imagem representando um investidor qualificado, mostrando uma pessoa vestida para trabalhar e fazer negócios. ruído sinal

Dentre as máximas das cartilhas de finanças, figura a lição: o bom investidor deve saber diferenciar ruído de sinal.

Enquanto o sinal fornece informações preciosas sobre a tendência confiável para o médio e longo prazo, os ruídos produzem inúmeras distrações de curto prazo, indutoras de decisões ruins.

Logo, nada melhor do que jogar fora o ruído e ficar apenas com o sinal.

Porém, assim como tudo o que pregado pelos caga-regras do mercado financeiro, é muito mais fácil falar do que fazer.

A primeira dificuldade deriva da enorme desproporção entre ruído e sinal, percebida intuitivamente pela volatilidade dos retornos em Bolsa ou pelo mapeamento das notícias. 

Dado o alargamento de seus desvios-padrão, o Ibovespa pode tranquilamente cair ou subir 1% (em módulo) em um pregão, sem que isso signifique nada.

E, para cada cem notícias publicadas diariamente nas capas dos principais jornais de economia & finanças, talvez uma ou duas permaneçam relevantes daqui a 12 meses.

Já a segunda dificuldade tem menos a ver com quantidades e mais a ver com a qualidade do ruído.

Quando ouvimos o conselho politicamente correto de jogar fora o ruído e ficar com o sinal, imaginamos a casca no lixo, para se deleitar com a banana; ou o fone de ouvido que cancela os barulhos insuportáveis do trânsito paulistano, permitindo que você ouça a guitarra de Ritchie Blackmore em alta fidelidade.

Na prática, entretanto, a separação entre joio e trigo é bem mais complicada, pois o joio tem uma exímia habilidade de se disfarçar de trigo.

Via de regra, os assuntos que se provam ruído a posteriori são seríssimos enquanto lideram a pauta diária ou semanal. Não é nada óbvio descartá-los, fazer troça deles ou – ainda pior – negociar contra eles.

A demissão truculenta de Castello Branco culminará na derrocada de Petrobras.

O embate entre Lula e RCN destruirá o relacionamento entre a Fazenda e o Banco Central.

A deflação vista no IPCA cheio não é tão boa assim quando mergulhamos nos detalhes de sua composição.

Não só o diabo está nos detalhes como os detalhes são o próprio diabo.

Nada fácil, entende?

O ruído estúpido, casca de banana, moto buzinando, nem chega a fazer preço.

O ruído que importa é quase sempre fruto de debates legítimos, de altíssimo nível, mas que só levam a ruas sem saída.

Ironicamente, porém, esses debates “inúteis” nos levam a pensar, pensar, pensar, em múltiplas possibilidades, o tempo inteiro, indo para frente e para trás, para frente e para trás, lapidando a tendência que se forma. 

Por isso, arrisco-me a dizer que não haveria sinal algum se não houvesse ruído.

Sobre o autor

Rodolfo Amstalden

Sócio-fundador da Empiricus, é bacharel em Economia pela FEA-USP, em Jornalismo pela Cásper Líbero e mestre em Finanças pela FGV-EESP. É autor da newsletter Viva de Renda.

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