Day One

Tic-tac para Evergrande

Havia outros planos para este Day One. A realidade insiste em sua agressividade e seu não comedimento, atropelando de maneira avassaladora qualquer planejamento. “O campo escala”, ensina o filósofo Tite.

Por Felipe Miranda

20 set 2021, 10:20

Havia outros planos para este Day One. A realidade insiste em sua agressividade e seu não comedimento, atropelando de maneira avassaladora qualquer planejamento. “O campo escala”, ensina o filósofo Tite.

Futuros de Wall Street em queda significativa, commodities em forte baixa, dólar em alta, corrida para os títulos do Tesouro norte-americano. “Ah, e as criptomoedas?” Em forte baixa, também. Na hora do pânico, não há diferenciação. Venda primeiro, entenda depois. As correlações convergem para 1, desafiando qualquer fronteira eficiente de alocação de capital. A diferenciação ocorre no pós-pânico. 

Daí emerge um primeiro corolário importante: se a diferenciação ocorre apenas num segundo momento, a paciência é escalada para o jogo com a faixa de capitã. Ela forma o trio de ataque (ou seria de defesa?) com a serenidade e a disciplina. Dias em que os vieses cognitivos são colocados à prova e as Finanças Comportamentais se tornam mais relevantes do que as métricas clássicas de valuation.

A catálise para a maior aversão ao risco vem, majoritariamente, das preocupações com a crise de crédito envolvendo a incorporadora chinesa Evergrande e seu potencial contágio para o setor e a economia local como um todo. 

O que está em jogo?

Em grande medida, a própria capacidade chinesa em lidar com crises desta magnitude e sua decisão de salvamento ou não de grandes empresas como essa. 

Análises envolvendo a China são sempre complexas. Falta transparência, sobram valores e instituições (formais e informais) diferentes daqueles valorizados no Ocidente. O confucionismo acima da valorização da democracia ocidental. 

Pelas sinalizações do final de semana, Pequim pretende lidar com a crise a partir de regras de mercado. Em sendo mesmo o caso, estaríamos lidando com a Evergrande como uma alusão aos grandes bancos americanos (“too big to fail”), numa analogia mais superficial e menos precisa, dado o caráter menos sistêmico da companhia (crises com instituições financeiras em seu epicentro são fenômenos mais complexos pela sua própria natureza), e à crise do LTCM (paralelo um pouco mais preciso), mas com maior capacidade de gerenciamento, dada a possibilidade de reação antecipada, a interpretação por parte das autoridades de que ela seria também grande demais para falir e a capacidade do governo chinês de agir sem precisar dos mecanismos clássicos de “checks and balances” de democracias mais consolidadas.

De forma mais simples, há dois grandes cenários à frente. Uma liquidação da companhia ou sua reestruturação. Há um terceiro entre ambos, que seria uma reestruturação desordenada, mas que, em termos práticos, representaria quase o mesmo de uma liquidação. Conforme escreveu a Fitch recentemente, esse cenário negativo é algo que as autoridades locais querem evitar.

Como lembrou o UBS em relatório desta segunda-feira, a entrega dos projetos é a questão mais importante em termos de estabilidade social e gerenciamento de uma crise imobiliária. Os compradores de imóveis e os fornecedores são os stakeholders mais relevantes. 

Dito isso, uma liquidação seria o cenário menos provável. Emerge como possibilidade a segregação em companhias menores para tocar os projetos, acompanhada de uma reestruturação da dívida, sem escapar de um haircut significativo. 

Sendo mesmo o caso, conseguiríamos atravessar a crise sem grande contágio sobre o setor financeiro; contudo, sem falsas ilusões. Sempre há consequências. Algumas cicatrizes ficariam, como maior desconfiança sobre o setor imobiliário chinês e aumento dos custos de financiamento. Fica ainda o risco de difícil mensuração fora do setor bancário tradicional — é sempre complexo mensurar as imbricadas relações do shadow banking na China. No setor financeiro, os bancos com maior exposição ao problema seriam JSB e Minsheng Bank.

A conclusão mais geral da S&P Global Ratings parece pertinente: um default da Evergrande tenderia a causar um pouco mais do que mera volatilidade nos mercados, ao mesmo tempo que seria improvável uma grande onda de default catalisada por esse evento. Seria um pequeno nível de contágio, gerenciável.

Evidentemente, isso exigiria uma ação rápida e eficiente. Se confirmada a reestruturação e a não liquidação da companhia, o alívio no mercado de crédito chinês seria imediato e o contágio bastante limitado.

O risco existe e não é desprezível. Há várias incertezas e falta de acesso à informação para se acessar a real situação na China, o que inclusive contribui para reações mais exacerbadas de curto prazo do mercado. Ao menos até agora, porém, esse risco é gerenciável. 

Dada a importância do tema, estamos preparando um material especial sobre Evergrande e seus potenciais impactos para ser enviado ainda hoje a todos os assinantes da Empiricus.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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