Day One

Troque seu coletinho por um quimono de longo prazo

Na literatura de alocação de ativos, “momentum” é a tendência que um ativo tem de continuar subindo apenas porque… já vem subindo.

Por Bruno Mérola

23 jul 2021, 10:59

Na literatura de alocação de ativos, “momentum” é a tendência que um ativo tem de continuar subindo apenas porque… já vem subindo.

Nos últimos 30 anos, dezenas de estudos acadêmicos e gestores sistemáticos praticantes têm validado a existência de um prêmio por momentum no mercado de ações.

Contrariando o senso comum, seria possível ganhar dinheiro comprando ações que tiveram o melhor desempenho recente e vendendo as que tiveram o pior, assim como são documentados ganhos com os fatores “tamanho” (empresas de menor valor de mercado) e “valor” (empresas baratas por métricas tradicionais de valuation).

Esse resultado tem se mostrado robusto para mais de 200 anos de dados da Bolsa americana e em mais de 40 países. Menos em um.

O Japão — que neste exato momento abre os Jogos Olímpicos de Tóquio em momento cauteloso de avanço da variante Delta da Covid-19 — é a misteriosa exceção à regra.

Por lá, a estratégia de comprar o que está na moda nunca vingou.

É o contrário, aliás: estudos sobre a explicação do retorno de ações japonesas indicam uma tendência maior de reversão à média, com investidores preferindo empresas de valor, baratas demais para o potencial que têm de convergirem para seu “valor justo”.

Há duas hipóteses principais. Cliff Asness, sócio-fundador da gestora AQR, argumenta que o resultado pode ser apenas fruto do acaso e que, dentre décadas de dados e dezenas de países, é provável que o prêmio de momentum não seja significativo em algum país relevante, por acaso o Japão.

Outra explicação segue a linha sociocultural, defendendo uma forte correlação positiva entre o nível de individualismo de uma sociedade e o prêmio de momentum em seu mercado acionário.

O individualismo (que se opõe ao coletivismo) é uma das dimensões culturais definidas pelo psicólogo holandês Geert Hofstede em seus estudos sobre o que diferencia sociedades.

Na prática, em uma sociedade considerada mais coletivista como a japonesa, investidores tenderiam a valorizar mais as informações e opiniões dos outros do que seus próprios julgamentos, demonstrando menores excesso de confiança e viés de atribuição e, por consequência, seriam menos impulsivos ao negociar ações.

E em fundos de investimento?

Com frequência, tenho visto investidores espelharem o mesmo comportamento que têm com ações no mercado de fundos, garimpando bancos e corretoras à procura do vencedor em desempenho dos últimos 12 meses, na esperança de que o gestor esteja em uma “boa fase” e de que esse resultado passado seja garantia de algum retorno futuro — não é.

Há uma diferença crucial aqui. Enquanto o aumento da demanda e do volume de investidores de uma ação — especialmente se de baixa liquidez — pode criar um aumento artificial de preço, justificando a estratégia de momentum, isso não faz sentido para fundos.

Comprar a cota de um fundo de ações hoje não tem qualquer impacto em sua valorização amanhã. Logo, não existe o conceito de momentum em fundos.

O corolário disso é que dúvidas como comprar, manter ou vender um fundo “por causa” de seu desempenho no semestre ou nos últimos 12 meses não deveriam existir. O investidor em fundos deve lutar para não trair sua alma: se a decisão que o levou a investir continua, o dinheiro continua lá.

Para trazer um exemplo, separei todos os fundos de ações do Brasil que existiram nos últimos dez anos e os classifiquei anualmente por desempenho.

A pergunta é: com qual probabilidade um fundo posicionado entre os 20% melhores de um ano também se manteve assim no ano seguinte?

Isso foi verdade em 29% dos casos. Talvez o leitor possa achar o número alto, mas seu complemento é que, em 71% das vezes em que você cogitou selecionar um fundo de ações para os próximos 12 meses com base nos 12 meses anteriores, o resultado teria sido pior.

Na série Os Melhores Fundos de Investimento, o desempenho de curto prazo, aquele que está na moda e que muitos estão usando por aí, não tem espaço.

Se você quer ser faixa-preta em montar uma carteira diversificada para o longo prazo, acredite: vale muito mais a pena vestir o tradicional quimono e cultivar a paciência dos japoneses.

Sobre o autor

Bruno Mérola

Desde 2019, lidera a série Melhores Fundos, selecionando os melhores fundos de investimento no Brasil e no mundo. Anteriormente, atuou por cinco anos no Itaú, recomendando investimentos para clientes Ultra-High-Net-Worth (UHNW) com patrimônio acima de R$ 50 milhões. Engenheiro de Produção pela UFRJ, é CFA Charterholder e possui a certificação FRM, além de CIPM, CFP® e CNPI.

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