Com a forte recuperação dos mercados em novembro, o que gerou um forte afrouxo nas condições financeiras (o índice do Chicago Fed, por exemplo, teve a maior oscilação mensal desde julho de 2020), se esperaria que, na última reunião do ano, Jay Powell colocaria panos na fervura, já que, apesar da recente melhora, a inflação ainda está longe da meta do Fed.
Mas não foi isso que aconteceu, e, para os comprados, o Natal chegou mais cedo. Primeiro, o que não deveria ter sido uma surpresa tão grande, mas acabou sendo, as projeções do comitê para os juros em 2024 viraram de cabeça para baixo. Passaram de forte possibilidade de altas para três cortes no ano que vem. Aqui, o mercado – que já estava precificando cortes – esperava também um pouco mais de conservadorismo.
Mas o que realmente surpreendeu foi a fala de Jay Powell depois da reunião. Sem muitas qualificações, ele abraçou abertamente a tese do pouso suave, reconheceu que a inflação tem vindo bem melhor do que esperado (isso apesar de uma inflação ao consumidor de novembro vindo salgada), e admitiu que a conversa agora era de quando começar a cortar a taxa de juros.
Que prévia de um feliz ano novo! A tentativa de vários membros do Fed de sinalizar que “não é bem assim” não surtiram muitos efeitos, e agora basicamente vários índices na bolsa americana estão operando de volta a suas máximas históricas.
Eu confesso estar bastante surpreendido – e tinha adotado uma postura mais conservadora para o final do ano, olhando para a combinação de um provável Fed mais conservador chocando com mercados sobre comprados.
Por que esse pivô do Powell, e quais seus riscos?
Uma das razões desse vaivém é que a economia americana oscilou de um crescimento anualizado superando 5% no terceiro trimestre para, olhando hoje para o nowcast do quarto trimestre do St. Louis Fed, 1,59% (o mais badalado nowcast do Atlanta Fed está um pouco acima, em 2.3%).
Agora sendo honestos indo de 5% para algo ao redor de 2% é uma forte desaceleração, mas nada alarmante quando o potencial da economia americana ainda está ao redor de 2% (o CBO, agência do Congresso, hoje estima o potencial em 1,8% ao ano).
Mas aqui podemos perceber um padrão: o forte PIB do terceiro trimestre assustou o Fed, que surpreendeu com uma postura mais hawkish na sua reunião de setembro (contribuindo para afundar os mercados em outubro). Agora com a economia crescendo menos, o Fed surpreende de novo.
Tudo isso pode nos fazer mais felizes como investidores, mas traz um risco: o Fed claramente não tem um plano ou estratégia fixa.
Eu vejo isso como o maior risco entrando no ano novo. A economia americana não evidencia nenhum sinal de stress – temos de fato vários elementos apontando para um pouso suave. O mercado, em função disso, já tinha executado um forte afrouxo nas condições financeiras. Talvez fosse o caso de o Fed não brigar (como já aconteceu) com o mercado, mas subscrever esse movimento que coloca em risco a consolidação da trajetória de desinflação.
Até porque, sejamos honestos, ninguém entende muito bem o que está acontecendo. A atual “desinflação milagrosa” sem nenhum impacto mais material no mercado de trabalho parece ser um evento de (muita) sorte. Neste cenário, a melhora nas condições de oferta pós-pandemia tem ocorrido com uma ligeira queda nas condições de demanda, de tal forma que o resultado líquido tem sido a atual indolor desinflação.
Se isso for verdade, ou seja, se por sorte estamos trilhando a melhor trajetória de ajuste imaginável, também é verdade que uma variedade de choques – como um forte afrouxo nas condições financeiras — pode tirar a economia americana dessa trilha benigna.
O que fazer então?
Do lado dos preços, fica difícil argumentar que há barganhas no mercado americano – inclusive na renda fixa. Há, como vimos neste mês, fluxos indo para small caps, mas esse segmento também já vivenciou uma forte recuperação. Treasuries de dez anos em 3,80% não chamam mais atenção.
Mas o mercado tem momentum; fazer novo “all time highs” será comemorado; e há uma montanha de dinheiro – US$5,87 trilhões – ainda estacionado nos fundos de money market (antes da pandemia, era algo perto de US$4 trilhões). Finalmente, a sazonalidade do início do ano é normalmente positiva.
Assim parece que o caminho com menos resistência para os preços ainda é para cima. Mas com muita atenção para sinais de que o otimismo do Fed não tenha gerado condições de aceleração do crescimento impactando negativamente a dinâmica da inflação. Fiquem de olho nos nowcasts…