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“Esquerda ou direita? Sístole ou diástole? Euforia ou depressão, aperto ou afrouxamento monetário, poupança ou endividamento? Da pressão sanguínea ao eleitorado […]”.

Por Felipe Miranda

04 abr 2022, 10:47

Esquerda ou direita? Sístole ou diástole? Euforia ou depressão, aperto ou afrouxamento monetário, poupança ou endividamento?

Da pressão sanguínea ao eleitorado, passando pela economia e os mercados, claro, as coisas são cíclicas. Até aí, nada novo. Da teoria dos ciclos de vida de Modigliani à ideia de Renda Permanente de Friedman e às flutuações descritas por Prescott, que lhe renderam o Nobel de 2004, as alternâncias em torno da tendência de longo prazo são literatura já antiga na Ciência Jovem.

O que mais me atrai na estrutura dos ciclos é que, tipicamente, eles são mais intensos, profundos, erráticos e contraintuitivos do que o pensamento de primeiro nível (para usar a terminologia de Howard Marks, outro especialista em ciclos) gostaria de sugerir.

No livro “Think Twice: Harnessing the Power of Counterintuition”, Michael Mauboussin explora os erros derivados de simplificações excessivas, que ignoram a complexidade de situações reais. Sua sugestão passa por: i) evitar confusões de atribuição entre causa e efeito, ii) ser cuidadoso na agregação de situações microeconômicas para projetar situações de nível macro, iii) considerar alternativas suficientes antes da tomada de decisão e iv) desconfiar de pseudoespecialistas.

O viés cognitivo de pular rapidamente às conclusões sem pensar com profundidade (Think Twice) é um clássico das Finanças Comportamentais.

Talvez você se sinta atraído pela volta do paraíso do CDI. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil já estavam muito bem descritos por Sérgio Buarque de Holanda lá em 1958. O Brasil como Éden poderia ser apenas explorado, sem grande necessidade de trabalho ou, na minha adaptação para finanças e investimentos, sem muita motivação para corrermos riscos, já que voltamos àquela delícia do 1% ao mês, com liquidez diária e sem a impiedosa e volátil marcação a mercado.

Não tiro a sua razão. Acho, sim, que o investidor deveria aproveitar as taxas gordas da renda fixa brasileira. Inclusive acho que, talvez, ele devesse fazê-lo com certa pressa. Afinal, a curva de juros vem caindo de forma contundente e sucessiva nas últimas semanas. Falo mais disso abaixo. A janela pode estar se fechando.

Com efeito, a dinâmica parece apreendida. A observação material do comportamento da indústria mostra meses de resgates líquidos dos multimercados e dos fundos de ações para a aplicação em renda fixa. Dia após dia, os FIAs e os FIMs sofrem com captação líquida negativa. O ponto interessante é que o destaque de alta nesse momento é justamente o mercado de ações.

De maneira aparentemente contraintuitiva, Bolsa deveria ser comprada quando o juro está alto, não quando o juro está baixo. E existe uma correlação que funciona quase como uma lei física: se está difícil para determinada classe de gestores captar, está ótimo para essa mesma classe identificar boas oportunidades de investimento.

Quando a taxa de juro está baixa, ninguém quer saber da renda fixa e vai lá todo mundo comprar ações. Com a maior demanda, claro, a renda variável fica cara, seu retorno esperado cai. É quando as pessoas deveriam estar reduzindo Bolsa. A política monetária também é cíclica — é a essência do sistema de metas de inflação ou da Regra de Taylor, como preferir. Coloca-se o juro básico acima do patamar neutro quando há de se controlar a inflação; e depois ele volta ao neutro ou abaixo dele quando a inflação está muito comprimida (e precisamos estimular o crescimento).

Então, havemos de pensar na dinâmica. No momento em que se começa a apertar a política monetária, o juro baixo vira mais alto, por construção. Então, há um duplo efeito sobre as ações. Primeiramente, a atividade econômica, ceteris paribus, arrefece. As empresas lucram menos. Se os lucros caem, as ações acompanham essa queda. Em termos de apreçamento, para a mesma relação Preço sobre Lucro, se o denominador diminui em 10%, o numerador tem que cair nos mesmos 10%. Mas também existe um segundo efeito: quando o juro sobe, a renda fixa se torna mais atrativa frente à variável. Por arbitragem, os múltiplos Preço sobre Lucro devem cair também. Passa-se a pagar menos pelo mesmo lucro, porque o retorno esperado da Bolsa precisa subir, uma vez que o retorno esperado da renda fixa também subiu. É o chamado “de-rating”, exatamente o que aconteceu na Bolsa brasileira desde o segundo semestre do ano passado.

Os lucros caem porque a atividade arrefece diante do juro mais alto. E o múltiplo (pense no caso mais simples do Preço sobre Lucro) precisa cair também. Esse duplo efeito é devastador e magnifica o efeito do ciclo de mercado.

Obviamente, ocorre o exato oposto quando o juro cai. Acontece que o mercado antecipa os movimentos. E é por isso que vale a ideia de comprar Bolsa quando o juro está alto. As ações estão baratas, porque ninguém as quer. Todas as atenções estão voltadas à renda fixa (e o que mais sobe no ano é justamente os fundos de ações).

Talvez estejamos na exata inflexão do processo. Há, ao menos, seis fatores auspiciosos a serem analisados quando tratamos do prognóstico para a Selic: i) a expressiva apreciação do real, cujas pernas nos parecem bastante longas, afeta os tradables num primeiro momento e, pelo repasse cambial, contagia todos os demais bens posteriormente; ii) estamos na iminência da adoção da bandeira verde nas tarifas de energia; iii) as commodities parecem se acomodar (lembre-se de que inflação é variável de preço, não é nível de preço); iv) as expectativas de inflação para 2023 e 2024 permanecem, ao menos até aqui, muito bem ancoradas; v) os efeitos da política monetária sobre a atividade econômica ocorrem de maneira defasada, de modo que a demanda agregada deveria ser impactada nos próximos meses; e vi) enquanto o juro real segue bastante negativo na maior parte do mundo, aqui temos uma taxa real bastante positiva e em território contracionista.

Em carta trimestral a seus cotistas, a gestora Clave já aponta a possibilidade de início do processo de queda da taxa Selic no último trimestre deste ano. Sua expectativa é de um intenso ciclo de cortes do juro básico, para 8% em 2023, “uma vez que a inflação projetada para 2024 no cenário de referência da própria autoridade monetária (2,4%) se encontra bem abaixo da meta (3,0%)”.

No momento em que o mercado começar a discutir a queda das taxas de juro, os preços serão outros. Deixaremos de olhar para 2022 para projetar 2023, com expansão de múltiplos e alguma recuperação cíclica dos lucros. Os 150 mil pontos são logo ali.

Sobre o autor

Felipe Miranda

CIO e estrategista-chefe da Empiricus, é ex-professor da FGV e autor da newsletter Day One, atualmente recebida por cerca de 1 milhão de leitores.

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