Quase todo bom investimento em ações se origina de uma incoerência.
Por isso, em seus livros mais recentes, Shiller e Damodaran defendem que as histórias contadas sobre as empresas – e sobre suas ações – já importam mais do que os exercícios herméticos de valuation.
O potencial de valorização emana do potencial narrativo, e a incoerência é a fonte ontológica de todas as narrativas de qualidade.
Ninguém pararia para ouvir o relato de uma menina de boné vermelho do MST (virou hipster!) que recebe a missão de visitar sua avó, segue religiosamente o caminho dentro da floresta, entrega o bolonha e o vinho para a vovozinha, e volta para casa antes do anoitecer.
Agora, se você bota um lobo no meio da floresta, com o talento persuasivo de fazer a Chapeuzinho se desviar por um momento do caminho, as coisas começam a ficar mais interessantes.
— Veja, Chapeuzinho Vermelho, como são bonitas as flores por aqui, por que você não dá uma olhada? Eu acho, também, que você não percebeu como os passarinhos estão cantando tão docemente. Você anda muito preocupada, como se estivesse indo à escola, ao passo que tudo à sua volta na floresta é alegria.
E então ela desviou-se do caminho para dentro da floresta para procurar flores. E, sempre que ela pegava uma, imaginava ter visto outra ainda mais linda à frente, e corria atrás dela, e ia mais e mais para dentro da floresta.
Pronto, está feito. Uma enorme incoerência toma conta da história, e toda a tensão que virá a se desenrolar daqui em diante depende disso.
“The road not taken” – como diria Robert Frost – permite que uma fábula europeia do século X continue entretendo crianças no século XXI (pelo menos até que a inteligência artificial tome conta de tudo).
No caso, o desvio de caminho na floresta se combina e se confunde com o desvio de conduta de Chapeuzinho, que havia recebido instruções explícitas de sua mãe no sentido de JAMAIS sair da rota demarcada.
Sem surpresas, no mundo financeiro, os desvios de caminho e de conduta também representam fontes de incoerência formidáveis, associadas a grandes potenciais de valorização.
Isso ajuda a entender por que investir é tão difícil: em vez de procurarmos narrativas bonitinhas, precisamos sair à caça de trajetórias incoerentes como oportunidades de compra.
A narrativa romântica prenuncia justamente a hora de vender um ativo.
Ou, nas palavras de Chapeuzinho:
— “Enquanto eu viver, nunca mais sairei do caminho para correr para dentro da floresta, quando a minha mãe me proibir de fazer isso.” – e assim acaba a história.
Por outro lado, devemos nos lembrar também que os enredos de mercado raramente se encaixam em contos de fadas. Frequentemente, o lobo de Wall Street é quem termina de barriga cheia.