Curioso como convencionou-se chamar a fronteira do conhecimento em investimentos de Finanças Modernas.
Embora a História tipicamente ligue o início da Era Moderna à queda de Constantinopla, a filosofia ou mesmo a psicanálise encontram outro marco para simbolizar a fundação do modernismo — não necessariamente contrária à desintegração do Império Romano, mas ligeiramente diferente e complementar.
Segundo Hegel, a modernidade representa o abandono da estrita perseguição da necessidade para a busca do reconhecimento. O ser pré-moderno seria definido pelo efeito da nascença e da tradição — o sangue definia uma permanência de condição imutável. Ser nobre dependia menos do hábito de consumo do que da herança genética. Então, migramos do ser para o ter e de ser reconhecido pelos bens tidos e consumidos.
A interpretação psicanalítica por vezes estende a proposta para ligar a modernidade às Grandes Navegações. Saímos da condição de permanência para uma proposta de aventura em prol de algum reconhecimento nas realizações.
Os bens, claro, podem servir (e de fato servem) para satisfação de uma necessidade objetiva, mas eles e, ainda mais, a percepção sobre eles exercem algo maior: organizam o funcionamento da diferença social. O supérfluo, com rigor linguístico, sequer existe, porque, nessa dimensão, ele é essencial, porque representa o êxito social.
A frase, muitas vezes dita como tentativa de autopromoção, “eu não ligo para o que os outros pensam sobre mim” é, em certa medida, uma negação da sociedade moderna, que se organiza e hierarquiza justamente a partir dessa percepção e desse reconhecimento.
Talvez aí se insira o jargão típico de mercado: “Melhor errar com todo mundo do que acertar sozinho”. Ou possivelmente assim conseguiríamos oferecer uma potencial explicação a Warren Buffett, que se diz perplexo por não entender como uma pessoa cujo patrimônio monta a US$ 50 milhões pode estar incomodada pelo fato de seu vizinho dispor de US$ 51 milhões. Ou, simplesmente, podemos entender banqueiros de investimento se estapeando em dias de distribuição anual de bônus — não porque acabaram de receber pouco (aliás, ao contrário), mas pelo simples fato de que o colega ganhou mais (ah, sim, era para ser uma informação confidencial, mas não se iluda: a rádio peão dá conta de dar-lhe publicidade).
A pergunta que se coloca é pertinente e com desdobramento pragmático relevante: você quer ser reconhecido, estar na moda, ou quer ganhar dinheiro?
Ao falar em sua reunião matinal que você está comprado em cardano, criptomoeda que sobe 8% hoje, provavelmente vai lhe render certa promoção perante o grupo. Agora, despertar para o que está subindo e está na moda representa uma compra de algo já valorizado, ferindo a determinação estritamente financeira de comprar barato, o que ainda não subiu, para depois comprar caro.
Hoje, o investidor de Bolsa brasileira narra com certa vergonha suas posições no almoço de família. Ele está totalmente fora de moda. Enquanto isso, o cunhado, comprado em dogecoin e Bolsa americana, paga de descolado. Ele é percebido como o mestre em finanças da mesa no momento. O mecanismo se autorreforça e o que está na moda vai atraindo mais compradores marginais, ficando cada vez mais caro até que… boom! Árvores não crescem até o céu. O objetivo do investidor não deveria ser estar na moda e ser reconhecido em conversas pseudointeligentes. Neste jogo, você é tão bom quanto seu último trade. Money talks, bullshit walks.
O ciclo anterior, que levou certas coisas a estarem na moda, pode não se repetir à frente — lembre-se de que as coleções e o mundo fashion são bastante efêmeros, mesmo dentro de um mesmo ano, mudam bastante. Ora, já estamos num novo ano!
Se todos agora falam de Bolsa americana e criptomoedas, não estaria essa grama muito pisada pela manada, enquanto haveria alhures outro pasto mais verde e nutritivo? Não sou dos catastrofistas que vislumbram a impossibilidade de o S&P 500 subir conforme o Fed aperta o torniquete monetário, mas lembro que uma observação histórica aponta para retornos módicos nesses momentos. E as criptos, embora sirvam bem como instrumentos de diversificação e busca por retornos assimétricos, são duas coisas: i) ativos que não pagam yield e, portanto, deveriam sofrer com a alta das taxas de juro de mercado (ceteris paribus, claro); e ii) ligadas intrinsecamente à tecnologia, algo que tem sido dizimado pelos mercados.
No Brasil, se esse cenário lembra 2002, com medo de uma eleição polarizada e dificuldades fiscais, há de se ponderar que Bolsa é ativo real e, em determinado momento, tal como já se faz hoje na Argentina, o investidor vai buscar refúgio em ativos produtivos, fugindo dos retornos prefixados que podem ser corroídos pela inflação.
E mesmo dentro da Bolsa, parece só existir large cap ligada a bancos e commodities.
Enquanto isso, small caps e mid caps de empresas de altíssima qualidade (não confundir com non-profitable tech) são negociadas a valuations muito atrativos. Shoppings de alto padrão abaixo do valor do tijolo — Iguatemi, Barra Shopping e outros a R$ 15 mil o metro quadrado? Incorporadoras, num ciclo muito diferente daquele de 2015, a 4-5 vezes lucros (foco aqui naquelas pouco alavancadas, margens altas e operação na mão)? Arezzo, Lojas Renner, Soma, Track & Field, Centauro… Abaixo de 20 vezes lucros na média, muitas rondando 15 vezes? GGPS3, LVTC3, COCE5, BRBI11… olhem os múltiplos disso. Enquanto isso, a turma insider anuncia recompra e muito controlador vai pra cima de suas empresas listadas em Bolsa — já está acontecendo; é só ler os sinais.
Eu não quero estar na moda. Eu quero ganhar dinheiro. Isso aqui não é a Fashion Week, em que pese a insistência de alguns coletinhos em pleno verão. Bem-vindo ao velho oeste. Tick, tick… boom!