Os alunos de medicina da classe de 1992 não aguentavam mais estudar, desde o cursinho, desde que tiveram o azar de nascer em suas tradicionais famílias de doutores.
Passaram os primeiros 18 meses da faculdade babando em cima de livros de capa dura. Madrugadas inteiras em modo zumbi, decorando nomes de partes que pareciam não pertencer aos próprios corpos.
Felizmente, daquele semestre em diante, as aulas de neuroanatomia passariam a trazer pacientes de verdade, para que os alunos começassem a formar um pouco de conhecimento de campo em relação ao que esperar da prática médica, tal como ela é.
O primeiro paciente apresentado à turma era um ex-reitor da Escola de Medicina, que havia sofrido um pequeno acidente vascular cerebral.
À medida que ele mesmo tateava em busca do exato local de manifestação do AVC, lágrimas começaram a brotar de seus olhos. Primeiro, em um ritmo contido. Em seguida, porém, as lágrimas jorravam, acompanhadas de soluços.
Profundamente abalados por aquela cena, os alunos ficaram em absoluto silêncio, por pouco mais de um minuto, até que, de repente, não havia mais soluços nem lágrimas.
Como se nada de estranho houvesse acontecido, o ex-reitor retomou a palavra calmamente, explicando que aquela erupção de melancolia era recorrentemente causada pelo AVC que o acometera.
Uma delicada região do cérebro havia sido danificada, de forma que picos locais de adrenalina resultavam em lágrimas e soluços transbordando por puro reflexo químico.
Qualquer tentativa de controle consciente do fenômeno resultava em nada. O jeito era esperar passar.
Pela primeira vez, a turma de 92 ouviu falar sobre “labilidade emocional”, uma das sequelas derivadas de acidentes vasculares cerebrais, que induz o riso ou o choro de modo involuntário.
Como se não bastasse o descontrole imperativo do episódio, o ex-reitor esclareceu que não sentia qualquer lapso de tristeza durante aquele tipo especial de choro. Tratava-se de um afloramento amoral.
O mundo neurofilosófico dos futuros médicos que ali se encontravam nunca mais foi o mesmo. As tradicionais conexões entre comportamento e emoção, tão logicamente descritas nas equações dos livros, foram dilaceradas numa exposição de 15 minutos à vida real.
Ao ouvir essa história da boca de um daqueles alunos, fiquei imaginando qual seria a performance do ex-reitor como investidor de Bolsa.
As cartilhas financeiras exigem de nós, seres humanos, um total descolamento entre atos e emoções.
Se o mercado cai 10%, você está proibido de chorar. Ao contrário, deve afastar qualquer inclinação à tristeza; deve até mesmo sorrir, agradecendo pela sorte de comprar tudo mais barato (se tiver dinheiro, é claro).
Já se o mercado sobe forte e rápido, você está proibido de comemorar. Passou do ponto, é tudo um grande exagero, uma festa dionisíaca precedendo a pior ressaca de todos os tempos.
Meu currículo escolar não previa aulas de neuroanatomia, não sei muito sobre labilidade emocional.
Resta-me tão somente a abordagem de investir com habilidade emocional — sofrendo e comemorando naturalmente, deixando que as emoções influenciem sobremaneira nossas decisões de compra e venda.
Algumas das melhores decisões de alocação que eu tomei na vida foram deglutidas pelo estômago, foram mijadas e cagadas, muito antes de subirem para qualquer sinapse cerebral.