“We’re on a road to nowhere
Come on inside
Takin’ that ride to nowhere
We’ll take that ride”
Road to Nowhere – Talking Heads
A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.
Seguindo a célebre frase de Winston Churchill, há de se comemorar as quase quatro décadas da redemocratização do Brasil.
Não fiz as contas, mas é bem provável que eu já tenha votado mais vezes a presidente do que meus avós.
Em comparação com meu pai, com seu mais de 80 anos, tenho apenas uma eleição presidencial a menos.
Prático e ciente da absoluta falta de opção, sigo confiante que o melhor caminho segue sendo mesmo o sufrágio universal e a democracia representativa.
Dado o devido disclaimer, sinto-me liberado para compartilhar meu desânimo com a perspectiva de mais 47 meses com Lula na presidência.
Até os mais otimistas já descartaram a esperança de uma nova versão do Lula I, cuja responsabilidade e pragmatismo garantiram a condução correta da economia em seu primeiro mandato.
Em sua trajetória, Lula nunca prezou pela consistência no seu discurso. Jamais teve constrangimento em desdizer o que tinha acabado de dizer. De certa maneira, essa maleabilidade na retórica sempre contribuiu para seu sucesso político.
Algo, contudo, parece ter piorado no presidente eleito.
Talvez seja a idade, talvez seja o ressentimento pela condenação, talvez seja a influência da jovem mulher. Difícil precisar.
Provavelmente uma combinação desses e outros fatores.
O Lula que estamos observando parece não ter descido do palanque. Desprezando o apoio do chamado centro democrático, justamente aquele que garantiu sua apertada eleição, Lula insiste no discurso endereçado exclusivamente a sua tradicional base de esquerda.
Nessa linha, na semana passada, resgatou a narrativa do golpe contra Dilma Rousseff, discurso desalinhado com a proposta de um governo de união, apoiado numa frente ampla de apoio.
Na área econômica, o presidente segue insistindo na falsa dicotomia entre prioridades sociais e fiscais, apontando também suas armas contra a política monetária do Banco Central de Roberto Campos Neto.
Mais recentemente, durante a entrevista que concedeu ao jornalista Kennedy Alencar, Lula redobrou seus questionamentos sobre a orientação da autoridade monetária, classificando a independência do Banco Central como “bobagem”.
A entrevista, em geral, foi ruim e diametralmente oposta à postura que se esperava de alguém com sua experiência.
Aproveitando as bolas levantadas pelo entrevistador (um simpatizante petista de longa data, tendo inclusive sido assessor de imprensa de Lula no passado), Lula caprichou nos ataques ao mercado.
Para ele, o mercado “já ganhou demais” e deveria agora ajudar o País a crescer. Lula reclamou dos bacanas da Faria Lima que, diferentemente dele, não se importam com a fome (e as drogas) na Praça Roosevelt.
Aproveitou e comentou a fraude envolvendo a Americanas. Além de errar grotescamente nas cifras (em dois minutos de fala, R$ 20 bilhões de furo viraram US$ 40 bilhões), Lula condenou a omissão do mercado no caso já que, segundo ele, ficou em silêncio diante das acusações de fraude.
De duas, uma: ou Lula acredita serem irrelevantes a queda de 90% no valor de mercado e toda a movimentação no judiciário contra a empresa seus acionistas de referência ou simplesmente ignora a realidade e joga para a torcida. Nos dois casos, uma postura condenável.
Lula aparenta tirar a lição errada do trágico governo Dilma. Em vez de se afastar dos equívocos na condução da Economia pela então presidente, Lula parece considerar um erro a tentativa de Dilma em consertar os rumos quando promoveu o ajuste liderado por Joaquim Levy. Assim, insiste na aposta furada na heterodoxia de esquerda.
Espero estar errado. Todavia, se a retórica atual de Lula servir de indicação para o caminho escolhido pelo presidente, teremos inevitáveis 47 meses de agonia até a próxima chance que a democracia nos trará.
Deixo você agora com os destaques da semana.