
Negociar um carro usado, tanto na compra como na venda, não é das experiências mais agradáveis.
Do lado do comprador, a assimetria de informações assusta, já que o vendedor sabe muito mais sobre o produto ofertado.
Economistas denominam como seleção adversa esse desequilíbrio entre informações que cada uma das partes detém sobre o produto negociado.
Se o vendedor aceita vender pelo preço pedido é porque entende que o seu bem tem um valor menor do que a pedida.
Os americanos chamam isso de “lemon problem”, e economistas usam justamente o mercado de carros usados para mostrar esse desequilíbrio. Aqui uma tradução livre seria o “problema do abacaxi” que é o nome que damos quando compramos um problema. Em ambas as frutas, só sabemos seu verdadeiro sabor depois de comprá-las.
Do lado do vendedor pessoa física, o negócio também traz desafios.
A venda para concessionárias ou lojas só é possível a um desconto grande, além de normalmente estar vinculada à compra de outro veículo.
Caso deseje um preço melhor, resta ao vendedor encontrar outra pessoa física interessada no seu carro. Apesar de plataformas como Webmotors facilitarem esse acesso, não há como escapar de uma desgastante negociação, com o necessário regateio, e de um burocrático fechamento (pagamento, documentação etc).
Ter um amigo interessado ajuda e alivia essa dor de cabeça. Eu mesmo já vendi duas BMWs para o Felipe (Miranda), sendo que na primeira recebi um Palio como parte do pagamento, com ambos saindo satisfeitos dos negócios realizados.
Foi para resolver esse enorme problema que surgiu a Carvana, uma plataforma online com a proposta de facilitar a comercialização de carros usados nos Estados Unidos.
Dado que o potencial de uma nova empresa é proporcional ao valor agregado percebido pelos consumidores, o mercado endereçável americano de 290 milhões de veículos apresentava-se com uma oportunidade formidável.
A fim de aliviar a dor dos potenciais clientes, a Carvana desenvolveu um modelo de negócios robusto, fornecendo uma solução ponta a ponta, incluindo inspeção, reparo, recondicionamento, showrooms, estoque de peças e financiamento.
Para os compradores, a plataforma verticalmente integrada da Carvana oferecia carros a preços mais competitivos por conta de seu baixo custo operacional já com financiamento pré-aprovado, além de ter uma oferta muito mais ampla do que os competidores tradicionais.
Para vendedores, a Carvana eliminava a necessidade de visitar uma concessionária ou negociar uma venda particular. E bastava responder a algumas perguntas sobre a condição e as características do veículo para receber uma oferta firme.
Fundada em 2012, a empresa abriu capital em 2017.
Em 2020, como resposta às medidas restritivas de combate à pandemia, a Carvana anunciou o serviço de “touchless delivery and pickup”, permitindo total autosserviço por parte dos clientes.
Com lojas e concessionárias fechadas, compradores e vendedores encontraram na Carvana a solução dos seus problemas e o negócio decolou de vez.
O sucesso foi total.
A empresa entrou no seleto grupo das beneficiadas do mercado projetado como o novo normal.
Seguindo o exemplo de empresas como Zoom, Robinhood, Moderna e Peloton, as ações da Carvana explodiram em valorização.
Inesperadamente, a empresa começou a ganhar dinheiro com o seu próprio estoque já que, pela primeira vez na história, carros usados começaram a se valorizar no tempo.
No seu pico, em meados de 2021, a empresa chegou a valer mais de 60 bilhões de dólares, valor superior à soma da capitalização de mercado da GM e da Ford combinadas, apesar de ambas terem uma produção de veículos dez vezes superior às vendas da Carvana.
Multibilionários, Ernest Garcia pai e Ernest Garcia Filho, os fundadores da empresa, aproveitaram a empolgação do mercado para monetizar parte de suas ações.
Um ano depois, apesar dos estoques terem parado de se valorizar, com o arrefecimento do mercado, operacionalmente pouco mudou.
Com vendas estáveis, Carvana continua oferecendo seus serviços a compradores e vendedores de carros usados, com a impressionante média de 1.000 unidades comercializadas por dia no varejo, além das 500 unidades diárias vendidas no atacado.
Se os usuários da plataforma seguem satisfeitos, o mesmo não pode ser dito dos seus investidores. O gráfico abaixo mostra o tamanho da destruição de valor:

Fonte: Google Finance
Quem investiu 1.000 dólares na ação em agosto do ano passado, hoje tem menos de 50 dólares. No agregado, cerca de US$ 57 bilhões em valor de mercado foram evaporados desde o pico.
O caso da Carvana nos traz um excelente insight no impacto das expectativas exageradas sobre o preço de ativos.
As distorções produzidas pela combinação de liquidez abundante de um lado, com extrapolações sobre o que seria um novo normal do outro, foram rapidamente corrigidas.
O custo de sonhar com o porvir ficou caro, com treasury bonds de 10 anos pagando acima de 4% ao ano.
Por aqui, nossa Selic de 13,75% trouxe para a realidade os delírios que abriram capital recentemente.
E note que a Carvana segue tendo um modelo de negócios consistente, o que não é necessariamente verdade para tantas empresas que foram listadas na empolgação recente.
Deixo você agora com os destaques da semana.
Boa leitura e um abraço!