“Caínho, apaga a luz, meu filho. Não somos sócios da Light.””
Essa era uma frase recorrente na casa dos meus avós toda vez que eu os visitava. Mesmo não sabendo o que era Light (na época, Light também era do nome da concessionária de energia de São Paulo), entendia o sentido de evitar os desperdícios.
Meio século depois, troquei de papel e pego no pé da criançada lá de casa, que teima em deixar luzes e aparelhos ligados o tempo todo.
Para melhor entendimento da turma de casa, lembro que o bolso do papai é um só. Gastar mais em conta de luz me obriga a gastar menos em presentes para compensar.
Fazendo uma analogia de uma pizza como ilustração, posto que a fatia desperdiçada poderia ter sido saboreada pela família, tento incutir na cabeça das crianças o conceito de orçamento equilibrado.
A alegoria é simples e efetiva. Convido-o a testar, caso tenha filhos pequenos. Há, porém, limites à sua aplicação quando chegamos à vida adulta.
Aqui vale a pena aprofundar. O britânico Paul Graham, programador e um dos pioneiros a cobrir o tema startups e empreendedorismo, chegou a classificar essa alegoria da pizza como falaciosa, a despeito de sua efetividade na gestão de orçamentos domésticos. A sua explicação é bastante elucidativa.
Se entendermos que, do ponto de vista material, o nosso principal objetivo, tanto individual como familiar, é a construção de riqueza, faz-se importante distingui-la do conceito de dinheiro.
Riqueza é o conjunto dos bens e experiências que queremos ter. Casa, carros, roupas, restaurantes, viagens, hobbies. O acesso a tudo isso é o que nos traz a sensação de riqueza. Dinheiro é o que usamos para adquirir riqueza.
Enquanto riqueza acompanha e seduz o homem desde o início da história, o dinheiro é uma invenção relativamente recente. Antes usava-se metais como meio de troca. E antes ainda usava-se outros bens materiais e até o próprio escambo para movimentar riqueza de um lado ao outro.
O dinheiro é apenas uma ferramenta para trocar e transferir riqueza – ele não é a riqueza em si. A armadilha ocorre quando as pessoas confundem os dois e assumem que uma quantidade fixa de dinheiro equivale a uma quantidade fixa de riqueza.
Voltando a Paul Graham. Para explicar o conceito de criação de riqueza, ele usa uma comparação distinta da pizza.
Suponha que você possua um carro velho surrado na sua garagem. Em vez de deixá-lo por lá enferrujando, você pode investir seu tempo em sua restauração, deixando-o impecável. De repente você tem algo valioso que pode ser trocado por um bom dinheiro. Ao fazer isso, você cria riqueza.
Ao restaurar seu carro velho, você ficou mais rico. Você não deixou ninguém mais pobre. Portanto, obviamente a imagem da pizza não cabe aqui.
Pensar na pizza é estar amarrado ao dinheiro que temos hoje. Claro que precisa ser tratado com respeito e tal postura deve ser passada às novas gerações.
O risco aqui, quando extrapolamos para nossa vida, é cairmos na armadilha, tão propagada pela esquerda, da soma zero, onde qualquer ganho de um lado significa necessariamente uma perda do outro, fazendo um jogo de soma zero.
Crianças – e adultos também – deveriam focar em como expandir nossa capacidade de criação de riqueza, fomentando condições que possibilitem nos expor a situações de ganha-ganha, em que todas as partes envolvidas se beneficiam das trocas.
Por mais que queiramos evitar o desperdício, nosso esforço maior sempre deve ser no aumento do tamanho da pizza, ou seja, na criação de valor – e não na sua repartição.
Colocando dinheiro como consequência da criação de riqueza, e não como um fim em si mesmo, abrimos um norte mais claro do que temos a conquistar.
Ao reconhecer que a riqueza pode ser gerada e expandida, podemos adotar uma mentalidade de abundância em vez de escassez.
Deixo você agora com os destaques da semana.
Boa leitura e um abraço.