Combativa, Margaret Thatcher colecionou um histórico notável de enfrentamentos, de líderes sindicais a ditadores latino-americanos. A sábia Iron Lady, porém, jamais enfrentou as forças de mercado.
Thatcher, a primeira-ministra que comandou a bem-sucedida reforma que recolocou o Reino Unido no caminho da prosperidade, costumava repetir, quando questionada sobre certos desafios econômicos, que não se podia enfrentar o mercado (“You can’t buck the market”).
Pois bem, nesta semana difícil para os mercados internacionais, com bolsas sofrendo importantes correções, a frase de Thatcher tem se mostrado verdadeira, quase uma década após sua morte.
Nesta sexta-feira, dia 16, completou-se 30 anos do que ficou conhecida como Black Wednesday (quarta-feira negra), o dia em que George Soros colocou o Reino Unido de joelhos.
Em 16 de setembro de 1992, o Banco da Inglaterra jogou a toalha e abandonou seu compromisso de paridade da Libra Esterlina com as demais moedas europeias, capitulando diante de George Soros e demais especuladores.
Cabe aqui um breve histórico da situação.
Como preparação para o que viria a ser uma moeda única, os europeus criaram, em 1979, o Exchange Rate Mechanism (ERM), um sistema que mantinha a cotação das moedas dos oito países que aderiram inicialmente dentro de uma banda de negociação.
Caso uma das moedas ameaçasse romper a banda, que era de 6% para cima e 6% para baixo da média da cesta hipotética das oito moedas, os respectivos bancos centrais teriam que intervir no mercado para manter a cotação dentro da banda.
O Reino Unido demorou para entrar no ERM, principalmente por conta do desconforto de Thatcher em subordinar sua autonomia monetária ao comando de Bruxelas.
Em outubro de 1990, pouco antes da saída de Thatcher do comando do país, a Libra finalmente se juntou ao ERM, tornando-se a décima moeda europeia a fazer parte do sistema (a peseta espanhola tornara-se a nona moeda no início do mesmo ano).
À época, o Reino Unido vivia um momento econômico delicado, de certa forma parecido com o enfrentado agora, com inflação elevada e baixo crescimento. Por conta disso, a entrada da Libra no ERM foi recebida com ceticismo por parte do mercado.
Para piorar, a Alemanha também passava por um período de ajuste econômico. A absorção da Alemanha Oriental resultava em alta nos preços domésticos por conta da expansão monetária. Com isso, o Bundesbank vinha aumentando juros, o que colocava pressão na cotação das outras moedas europeias.
Por conta talvez da falta de convicção dos britânicos no sistema, de todas as moedas pressionadas, a Libra parecia ser a mais vulnerável.
Após semanas de pressão crescente, na manhã de 16 de setembro de 1992, o Banco da Inglaterra, à época ainda subordinado ao governo britânico, foi forçado a aumentar inesperadamente as taxas de juros de 10% para 12%. Tal medida foi especialmente mal recebida internamente, por conta das dificuldades econômicas enfrentadas pelos britânicos diante da recessão na economia do país.
Se para os cidadãos o aumento de juros parecia excessivo, para os operadores de câmbio o movimento foi classificado como tímido. Sentindo cheiro de sangue, especuladores imediatamente aumentaram suas apostas contra a Libra, despejando pressão vendedora no Banco da Inglaterra.
Poucas horas depois do primeiro aumento, jogado contra as cordas pelo mercado, o Banco da Inglaterra elevou mais uma vez os juros, dessa vez para 15% ao ano.
Mais tarde, no início da noite, o Banco da Inglaterra capitulou, anunciando que estava abandonando o ERM, permitindo que a Libra flutuasse livremente a partir do dia seguinte.
No dia seguinte, a libra não só flutuou mas afundou drasticamente, registrando a segunda maior queda diária diante do dólar de sua história (a maior ficou por conta do dia após a votação do Brexit). Estima-se que George Soros, o principal nome da aposta contra a libra, tenha lucrado cerca de um bilhão e meio de dólares nesse único dia.
O trauma foi tamanho que a Libra jamais voltou ao ERM e, consequentemente, o Reino Unido nunca adotou o Euro como moeda.
De certa forma, o próprio Brexit pode ser encarado como uma consequência da Black Wednesday, já que uma integração monetária traria um nível adicional de complexidade para a saída do Reino Unido da União Europeia.
Por aqui, tivemos nossa versão tupiniquim da quarta-feira negra no dia 29 de janeiro de 1999, quando o nosso Banco Central abortou, duas semanas depois de sua criação, a banda diagonal endógena de Francisco Lopes, liberando a flutuação do Real contra o Dólar.
Quem será o próximo incauto?
Deixo você agora com os destaques da semana.
Boa leitura e um abraço.
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